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Na Raposão, de táxi

ANTONIO PRATA COLUNISTA DA FOLHA

Lá pelas seis da tarde do dia 3 de julho de 2013, entrei esbaforido num táxi aqui em Cotia, onde moro: "Hospital São Luiz, amigo, rápido!". O motorista engatou a primeira e colou os olhos esbugalhados no retrovisor, temendo que eu estivesse enfartando e batesse as botas no banco de trás. "Tudo bem aí, chefe?" "Tudo ótimo, mas pisa fundo que a minha filha tá nascendo!"

Olivia era esperada para a segunda semana de julho. O parto seria na Promatre, perto da Paulista. Em junho, quando começaram as passeatas pela redução das tarifas (e etc), meu lado cívico se alegrou, mas meu recém-adquirido instinto paterno ligou o alerta laranja. Como chegaríamos ao hospital se a bolsa estourasse num dia em que 100 mil pessoas estivessem lutando por um Brasil melhor NA ESQUINA da maternidade?

Atravessei várias noites sem dormir, imaginando as cenas: eu abandonando o carro na Rebouças travada e correndo pelo canteiro central com a Julia nos braços, como o Super-Homem a voar com Lois Lane pelos céus de Metrópolis. Eu costurando pelo trânsito até darmos com a parede humana, na Paulista, explicando aos berros a situação, com o corpo pra fora da janela, a notícia se espalhando boca a boca pela avenida e a multidão miraculosamente se abrindo diante de nós, como o mar Vermelho (ou verde e amarelo). Cheguei até a me ver roubando um cavalo da polícia montada e, com uma mão na rédea e outra na Julia, cruzando a galope o Conjunto Nacional.

De dia, meus pensamentos não eram menos aéreos. Me informei sobre os heliportos perto da Granja Viana e quanto custaria um voo até a Promatre. Li, reli e deixei marcada a página 323 do livro "O Que Esperar Quando Você Está Esperando", onde se ensina a fazer um parto de emergência e me vi --assustado, porém firme-- cortando o cordão umbilical no estacionamento do Rancho da Pamonha, na Raposo Tavares.

Percebendo a aflição do casal, minha querida irmã, que morava na rua São Carlos do Pinhal, a trezentos metros da Promatre, mudou-se temporariamente para a casa do namorado e nos emprestou o apartamento. Durante uns dias, eu e a Julia ficamos acampados ali, esperando --mas os únicos espasmos e contrações pareciam vir das manifestações, que seguiam firmes e fortes, um quarteirão acima.

Em 19 de junho, finalmente, o prefeito e o governador anunciaram a redução das tarifas de ônibus e metrô e, aos poucos, o clamor das ruas foi diminuindo. Depois de uma semana sem passeatas, achamos que já era seguro voltar pra casa.

Era uma quarta-feira, dia 3, lá pelas seis da tarde. A Julia tinha ido visitar a tia, em São Paulo. Eu estava instalando as persianas do meu escritório. O celular tocou. As contrações haviam começado e a médica mandara a Julia correr pro São Luiz, do Itaim. (Para nosso azar --e sorte do país--, estava rolando mais uma passeata, na Paulista: era de lá, inclusive, que a médica/manifestante monitorava a situação, via celular.) Eu disse "Calma, amor, a gente se encontra na maternidade, vai dar tudo certo!", deixei as persianas de lado --a luz que importava, agora, era outra-- e chamei o táxi.

"Vai, amigo, pisa fundo que é hoje! É hoje que a minha filha nasce!"


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