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Oscar Vilhena Vieira

Corrupção e o véu corporativo

A decisão das empresas de praticar um ato ilícito é muitas vezes submetida só à análise de custo-benefício

Na próxima semana entra em vigor uma nova legislação voltada a combater a corrupção. No caso, atos ilícitos contra a administração pública praticados por empresas, no Brasil ou no exterior. Acompanhamos assim uma tendência internacional, inaugurada pelos Estados Unidos, que tem três características fundamentais: transferir para o direito administrativo a função sancionadora, permitir a punição de atos praticados fora do país e estimular a delação, por intermédio de acordos de leniência.

Os diversos crimes contra a administração são complicadíssimos de se combater, pelo simples fato de que a verdadeira vítima, o povo, quase nunca percebe que está sendo tungada. A coisa fica ainda mais difícil quando a corrupção envolve uma complexa organização empresarial. Isto porque o direito penal foi forjado para combater, sobretudo, ilícitos individuais. Para que se possa imputar uma prática criminosa a alguém é necessário demonstrar que a pessoa tem capacidade de realizar o ato, que compreende a sua ilegalidade e, por fim, que é livre para escolher realizá-lo ou não.

No mundo corporativo, é possível e comum fragmentar a conduta ilícita, de forma a que as três condições para a imputação criminal dificilmente se concentrem numa só pessoa. Há muitas camadas de véu corporativo entre quem toma a decisão, quem avalia sua legalidade e quem pratica o ato. Detectar o indivíduo que toma a decisão é possível, mas depende normalmente de uma minuciosas investigação. E ainda que se puna criminalmente um corruptor empresarial, a empresa que se beneficiou do esquema, no mais das vezes, abandona seu funcionário à própria sorte e continua a praticar outros atos lesivos ao patrimônio público. Daí ser necessário criar novas ferramentas para auxiliar o velho direito criminal.

Diferentemente das pessoas, que eventualmente sentem constrangimentos de natureza moral ou têm medo de serem punidas criminalmente, empresas são seres maximizadores de seus interesses. A decisão entre praticar ou não um ato ilícito é muitas vezes submetida a uma mera análise de custo-benefício.

A nova lei, portanto, acerta ao estabelecer que a responsabilidade da empresa é objetiva, bastando demonstrar que esta foi beneficiária de um ato ilícito. Também acerta ao estabelecer sanções tangíveis as corporações, como altíssimas multas e reflexamente a possibilidade de proibição de contratar com o Estado, o que coloca uma enorme gama fornecedores estatais e empresas de infraestrutura em chapa quente.

Por último, a possibilidade de sanção por atos ilícitos cometidos no exterior, inserida na lei brasileira por pressão dos americanos, dificultará a vida de inúmeras empresas nacionais que vêm expandindo seus negócios para países com altas taxas de corrupção, muitas vezes com financiamento público.

Há apenas uma advertência. E está vem de Jed Rakoff, experiente juiz federal norte-americano, especializado em combate à corrupção empresarial, ao buscar responder porque até o presente momento nenhum alto executivo de bancos e corretoras, eventualmente envolvidos nas fraudes que levaram a crise de 2008, foi punido. Resposta: a "administrativização" do combate à corrupção, sem a necessidade de longas investigações, pode deixar investigadores e promotores preguiçosos e executivos muito à vontade. E quando isso ocorre, a busca desenfreada pelo lucro pode novamente colocar a roda da corrupção para girar.


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