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Pasquale Cipro Neto

'Sancti Sebastiani Fluminis Ianuarii'

"Rio" também é palavra latina, mas de outra raiz, a mesma de "rival", mas essa história fica para outro dia

Fiquei emocionado ao ouvir, no sábado passado, o papa Francisco a chamar, em latim, os novos cardeais. A liturgia comandada por Sua Santidade não restringiu o latim aos nomes dos cardeais. Os nomes das cidades em que eles atuam também foram ditos em latim, por isso a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, da qual Dom Orani João Tempesta era arcebispo, passou a "Sancti Sebastiani Fluminis Ianuarii".

Onde foi que ouvi isso? Numa TV aberta, com a fala da jornalista sobreposta à do papa. Para certificar-me do que disse Francisco, mais tarde entrei no site da emissora (para ouvir mais uma vez a matéria), no site do Vaticano e no Google italiano.

O que adorei mesmo foi ouvir "Fluminis Ianuarii". Logo me pus a pensar nos telespectadores. Quantos terão percebido isso e ido atrás da forma, do sentido dessa expressão? Quantos terão feito a conexão entre o nome latino da ex-capital do Brasil e o seu nome em português?

Não me pergunte se o latim deveria voltar à escola. Talvez isso fosse o ideal, mas o real é que não temos como pôr isso em prática. Acho que, para começar, bastaria ao professor, sempre que possível e necessário, relacionar o português com o latim (com o grego, o tupi etc.). Isso decerto não faria mal a ninguém e, sem dúvida, abriria portas e portas.

No caso em tela, o mínimo que se poderia fazer é lembrar que "fluminis" é da mesma raiz de "fluvial", "fluir", "fluido", "fluído", "fluência", "fluxo", "fluidez" etc., etc., etc.

Se o caro leitor incluiu no "etc., etc., etc." a palavra "fluminense", acertou. A razão pela qual o natural do Estado do Rio de Janeiro é "fluminense" é a mesma de o nome latino da cidade maravilhosa incluir a palavra "Fluminis"... Afinal, quem é do Rio de Janeiro é de um rio (na verdade, um rio que não é rio, mas foi essa a primeira impressão que se teve da Baía de Guanabara há mais de 400 anos...). E quem é de um rio é de um flúmen ou de um flume, palavras que -pode procurar num bom dicionário- são sinônimos de "rio".

Qual é o sentido essencial da família de palavras que acabei de citar? É a ideia de "escorrer", o que ocorre com tudo que flui, como as águas de um rio ou as palavras que saem da boca de quem tem fluência.

Antes que alguém me pergunte, "rio" também é palavra latina, mas de outra raiz, a mesma de "rival", mas essa história fica para outro dia.

Nossa escola vai mal, obrigado, e isso não é nenhuma novidade. Uma das tantas razões disso é o ensino mecanizado, que não leva o aluno a refletir, a estabelecer nexos. E um dos tantos nexos que se podem estabelecer é justamente o que há entre as palavras, que muitas vezes formam um verdadeiro dominó.

Já vi,, mais de uma vez, num dos tubos que ficam à mostra nas garagens subterrâneas, a seguinte inscrição: "Águas fluviais". Deus meu! Passa um rio embaixo do edifício!

A água fluvial é de rio; a água pluvial é de chuva. Não é por acaso que, quando se fala do índice de chuva, ouve-se "índice pluviométrico". O adjetivo "pluviométrico", por sinal, resulta de um processo de formação de palavras chamado "hibridismo" (junção de elementos de línguas diferentes). "Pluvio-" vem do latim; "-metro", do grego. A palavra totalmente grega correspondente" é "hietométrico". Que tal? Já pensou nisso num telejornal? Aliás, a palavra "telejornal" é outro exemplo de hibridismo. Por quê? Descubra você mesmo, caro leitor. Mãos à obra. É isso.


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