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Mulheres de SP se unem pelo fim das cantadas

Paulistanas formam grupos para discutir feminismo, mas denúncias de agressões caem

REGIANE TEIXEIRA DE SÃO PAULO

Todas as manhãs, a representante de vendas Natália Jakovac, 30, faz uma oração budista antes de levar o filho para a escola. Mas à medida que ela percorre as ruas da Barra Funda, onde mora, sua paz se esvai.

Os comentários maliciosos vindos de homens pelo caminho acabam com a sua paciência. "Você se sente nua", desabafa. Quando está sem o filho, ela não deixa barato. "Reclamo mesmo. Mas eles viram as costas."

A cantora Rosa Ferraz, 26, é outra que não tem medo de rebater uma cantada. "Às vezes, você está em um dia ruim e ainda tem de ouvir esses comentários nojentos."

São poucas as mulheres que batem de frente com os homens que mexem com elas, mas muitas têm achado outras maneiras de reclamar.

Na internet, internautas postam fotos dos agressores captadas por celulares, principalmente em trens e ônibus. Nos comentários, é comum ver menções à campanha "Chega de Fiu Fiu".

Em setembro de 2013, uma enquete virtual de mesmo nome perguntou o que as mulheres achavam das cantadas.

As respostas de 7.762 participantes mostraram que apenas 17% das entrevistadas as consideram "algo legal" e que 81% já deixaram de fazer algo temendo o assédio.

A pesquisa virou uma campanha. Slogans como "Caminhar por um espaço público não torna meu corpo público" e "Você acha que gritar ô gostosa' na rua é elogio? Sua mãe não" fazem parte do material.

"Essa liberdade que existe de poder agredir uma mulher na rua pode levar a atitudes muito mais violentas", diz a jornalista Juliana de Faria, 29, criadora do site Think Olga (thinkolga.com), que discute temas femininos e que divulgou a pesquisa.

"Quando um cara te chama de linda na rua, está invadindo o seu espaço", diz a socióloga Bárbara Castro, 29, que faz parte do projeto. "O que queremos é uma mudança de mentalidade da sociedade a respeito disso."

Há duas semanas, 30 mulheres e dois homens que fazem parte da comunidade virtual do Think Olga se encontraram pessoalmente pela primeira vez em São Paulo.

A ideia era discutir a segunda etapa da campanha, que terá um mapa interativo para que as vítimas registrem lugares onde sofreram assédio.

A publicitária carioca Luíse Bello, 24, veio do Rio de Janeiro apenas para a reunião.

"Tem gente que diz que as feministas são mal amadas. Toda mulher é mal amada pela sociedade, temos que pensar sempre em coisas como ter que mudar de roupa para sair", diz.

A nova plataforma do "Chega de Fiu Fiu" deve entrar no ar neste mês. A ideia é que o material sirva como uma base para gerar outras campanhas que alertem sobre a violência contra a mulher.

DENÚNCIAS

Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, em 2013 foram registradas 10.855 ocorrências de lesão corporal dolosa contra mulheres. O total é menor do que o de ocorrências registradas no ano anterior, 12.523 --uma queda de 13%.

De acordo com a delegada Maria Raquel Coreggio, da 5ª Delegacia de Defesa da Mulher, na zona leste, o número de agressões, no entanto, não caiu. O que cresceu foi o medo de as mulheres de registrarem boletim de ocorrência.

"Desde o ano passado, elas não podem mais retirar as queixas", explica. "E, mesmo assim, é comum muitas delas não desejarem dar continuidade ao processo porque fazem as pazes com o marido."

É um tipo de atitude comum na cultura brasileira, segundo a historiadora Mary Del Priore, autora do livro "Histórias e Conversas de Mulher" (R$ 29, 312 págs., Planeta).

"As mulheres também são machistas quando não deixam seus maridos lavarem a louça ou os filhos meninos fazerem as camas", diz.

A delegada Maria Raquel diz ainda que as mulheres que se sentirem ofendidas com um assédio na rua podem, sim, registrar um boletim de ocorrência.

"O agressor vai receber uma intimação, terá que prestar depoimento e pode ter de prestar serviço comunitário como pena", afirma.

Todas as discussões feministas são saudáveis, diz Del Priore. Para ela, esses debates procuram dar uma direção aos múltiplos papéis que as mulheres têm de assumir: mães, amantes, esposas, trabalhadoras, donas de casa.

"O momento não é fácil e é melhor haver o barulho de discussões do que o silêncio."


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