Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Barbara Gancia
Olacyr não se escreve com X
Estamos falando de um visionário genial, que teimou ser possível corrigir a terra empedrada do Centro-Oeste
Um ex-senador boliviano morto a tiros por um motorista. Uma bolsa contendo R$ 400 mil em notas pulsantes. Uma coleção de modelos sem nome que, por anos, serviu de ornamento nas noitadas em boates, restaurantes, batizados de cães, de barcos ou de alguma nova joia da Hebe.
Mas o Olacyr de Moraes que encontrei na tarde do último domingo de Páscoa, por acaso, num café dos Jardins, nada tinha a ver com a imagem de poderoso de outrora.
Imediatamente lembrei do Itamar Franco. Certo dia o ex-presidente entrou em contato comigo para agradecer menção elogiosa que eu lhe fizera neste espaço. Imagine! Um presidente da República dando-se ao trabalho de dirigir a palavra a esta reles datilógrafa. Chefe de Estado, ademais, vindo na esteira de um vendaval sem precedentes, um homem que, se houver alguma justiça neste mundão de meu Deus, haverá de entrar para a história por ter fornecido, contra todos os prognósticos, as bases em que foi plantada a estrutura do Plano Real.
E, por algum motivo, a imagem de salvador da pátria acabou sendo ofuscada pela foto em que ele aparece ao lado de uma ruminante oportunista, em flagrante carnavalesco que ficou conhecido como "o episódio da calcinha".
A reputação de Olacyr arrisca seguir o mesmo rumo. Estamos falando de um visionário genial, que apostou tudo e teimou em acreditar ser possível corrigir a terra empedrada do Centro-Oeste para plantar soja. E que acabou transformando o quinto dos infernos num colosso.
Sua usina de Tangará da Serra, de álcool e açúcar, virou uma das sete maravilhas do mundo. Em uma época em que os reis eram Pelé e Roberto, Olacyr de Moraes ficou conhecido como o "rei da soja" (planta que o Brasil desconhecia) e seu produto era bem mais barato do que a soja norte-americana. Só que chegava na hora do transporte e toda a vantagem no preço obtida na produção ia para o espaço.
O homem era peitudo. No tempo em que as centrais elétricas ainda eram estatais (Cesp, Cemig e que tais), Olacyr não tinha como contar com o governo para ajudar a alimentar de energia suas usinas nos cafundós do país.
O que fez? Simples. Engendrou um arcabouço jurídico e montou sua própria hidrelétrica, a Itamarati Centrais Elétricas. Para quem levou 12 anos teimando para ver um pé de soja crescer, nada demais.
Mas ainda havia a competitividade, perdida no transporte até o porto. E no Brasil que ergue estádios para depois jogar no lixo (Pan de 2007), que faz estradas inúteis (Transamazônica), que prospecta energia fantasma (Paulipetro e OGX), ele se viu fazendo algo que fosse de verdade.
A construção da Ferronorte começou em 1990. Iria do Mato Grosso até Santos. O governo de SP financiaria uma parte, BNDES também. Mas, como sabemos, não existe ferrovia. Olacyr quebrou tentando desesperadamente concluir a obra. Os repasses federais cessaram. FHC nunca explicou os motivos que fizeram a União desistir do projeto. Sabemos apenas que o prejuízo ao país é enorme.
Também não temos, por ora, ao menos, como saber o que houve entre patrão, boliviano e motorista. Não parece coisa boa.
Olacyr passou por mim e dirigiu-se a uma mesa no canto do café. Minutos depois, mandou me chamar. Sentei ao seu lado, ele pegou minha mão e apertou. "Olha o que fizeram comigo, Gancia". Os lábios tremiam, lágrimas ameaçavam rolar.
Seja qual for o desfecho do crime, muita calma na hora de analisar méritos. Eu nunca colocaria Olacyres na mesma sacola dos Eikes.