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Gleba 3, quadra 8, túmulo 510

Após 14 anos à procura do pai desaparecido, Cláudio, 53, faz périplo por cemitérios e descobre onde ele foi enterrado como indigente pelo Estado

REYNALDO TUROLLO JR. ROGÉRIO PAGNAN DE SÃO PAULO

Quando soube pelo Ministério Público, há duas semanas, que o pai desaparecido foi enterrado pelo Estado como indigente, apesar de estar identificado, Cláudio Rocha, 53, desconfiou. Faltava algo "concreto" para pôr fim a uma busca que já durava 14 anos.

"Pensei: Agora tenho que ver onde ele está. Pelo menos descanso.' Quatorze anos sem informação nenhuma."

Foi o ponto de partida para um périplo por cemitérios de São Paulo, acompanhado pela Folha na quarta passada.

No fim da tarde, enquanto muitos paulistanos pegavam a estrada no feriado prolongado, Cláudio finalmente "encontrava" o pai, João Rocha, morto em 26 de março de 2000, aos 74 anos.

O local era a gleba 3, quadra 8, túmulo 510 do cemitério de Perus (zona norte), o terceiro visitado no mesmo dia.

Pela manhã, no cemitério 1 da Vila Formosa (zona leste) --o único com busca informatizada de mortos enterrados a partir de 1999--, Cláudio não teve sucesso.

Ao lado, no cemitério 2, a funcionária abriu um livro de todos os enterros feitos em 2000 e concluiu: não foi ali.

A ansiedade de Cláudio parecia aumentar, quando a mesma funcionária sugeriu que buscasse em Perus, a cerca de 40 km da Vila Formosa.

VALA COMPARTILHADA

Foi na necrópole da zona norte que o técnico em telecomunicação viu o nome de João em um grande livro com os registros de todos os indigentes enterrados em 2000. Respirou profundamente.

Com a indicação da cova, pediu ajuda a três funcionários. Não havia estacas com números nem nada que se assemelhasse a um túmulo. Por todos os lados, apenas mato, carpido nos últimos dias.

"Pelo tempo que passou, já tem outro enterrado em cima dele", alertou um funcionário, que teve de contar as fileiras para achar o número 510.

Por regra, após três anos, restos mortais de indigentes podem ser exumados para dar lugar a outros. Segundo coveiros, vão para um canto da vala. O corpo de João foi exumado em março de 2006.

'ACABOU'

"Dá até um arrepio. É o fim de uma busca. Acabou. Acabou", disse Cláudio, pausadamente. Depois, marcou a vala com um bloco de concreto que encontrou a alguns passos dali, para o caso de voltar.

"Eu sonhei várias vezes que encontrava meu pai. Encontrava com vida, ele conversava comigo e tudo. Mas que é um alívio, é", desabafou.

O aposentado João, ex-empregado de uma fábrica de tintas, sumiu da casa do filho, na região de Itaquera (zona leste), em janeiro de 2000. Sofrera dois AVCs que haviam afetado sua memória e parte dos movimentos do corpo.

A casa era adaptada para ele: sem louças e talheres à vista, para evitar que se machucasse, e a porta trancada. "Meu pai achava que incomodava, por isso tentava fugir. Num descuido, conseguiu."

Filho único, Cláudio teve a ajuda da mulher, Sônia, para fazer as buscas. A mãe dele morrera três anos antes.

O casal percorreu quatro hospitais, IML, polícia. Cláudio chegou a ir à Sé, temendo que João estivesse na rua.

Ainda em janeiro de 2000, registrou o desaparecimento. Ouviu da polícia que seria avisado quando tivessem novidades. Não teve mais notícias.

No mês passado, soube pela Promotoria que João havia sido um dos 3.000 enterrados como indigentes em São Paulo, apesar de estarem identificados.

Somente agora o filho pôde entender o sumiço do pai.

João passou mal na rua e foi levado ao hospital Planalto, em Itaquera, onde ficou internado por dois meses. Pegou pneumonia e morreu.

Cláudio afirma que chegou a procurá-lo nesse mesmo hospital, mas foi informado de que o pai não estava ali.

O corpo foi levado ao SVO (Serviço de Verificação de Óbitos), ligado à USP. Por desconhecer o órgão, Cláudio nunca o consultou. Depois de cinco dias, o corpo foi sepultado como "não reclamado".

Na ocasião, a polícia registrou a morte de João. Mas nunca avisou a família.


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