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Pasquale Cipro Neto

Incompreensões e linchamentos

Há enorme diferença entre debater civilizadamente e linchar moralmente

O prezado leitor certamente sabe que o linchamento, tristemente em voga neste infame Brasil, não é só físico; pode ser também "moral".

Por que digo isso? Vamos lá. Nos quatro parágrafos iniciais da coluna da semana passada, citei um equívoco cometido por boa parte da imprensa, que, de modo simplório e reducionista, define qualquer caso de crime doloso como "aquele em que há intenção de matar". Para mostrar que nem todo crime doloso é "aquele em que há intenção de matar", dei como exemplo o procedimento de alguns delegados de polícia, que consideram dolosos os crimes cometidos por quem dirige alcoolizado.

Transcrevo literalmente a passagem em que trato disso: "Você certamente já ouviu ou leu declarações de certos delegados de polícia que consideram doloso o comportamento de quem, embriagado, dirige veículos e causa acidentes com mortos e/ou feridos. Para esses delegados, esses cidadãos irresponsáveis sabem que, quando ébrios ao volante, podem mutilar ou matar, o que justifica o enquadramento no dolo, mas é claro que não se pode garantir que o/a bebum que invade a calçada e mata duas pessoas que lá estavam tinha a intenção de matar exatamente aquelas duas pessoas, que provavelmente o/a bebum nunca vira".

Pois não é que alguns leitores promoveram o meu "linchamento"? Não foram poucas as mensagens de "condenação", algumas virulentas, outras em tom formalmente educado, que, grosso modo, afirmavam que eu não tenho de me meter em território alheio, que quem dirige alcoolizado e mata e/ou fere pratica crime doloso, sim, porque assume o risco de matar e/ou ferir quando dirige sob efeito do álcool, que eu poderia ter entrado em qualquer livraria para dar uma olhadinha em um bom livro de direito penal e, o pior de tudo, que eu, sem conhecimento de causa, critiquei (?!?) o comportamento dos delegados que consideram dolosos os crimes que citei. Muitas dessas mensagens vieram de advogados, que fizeram questão de mandar seu número de inscrição na OAB...

Santo Deus! Esses indivíduos condenaram o que não escrevi e defenderam justamente o que escrevi... Que tal voltar ao fragmento que destaquei e levar em conta o texto e o contexto? Quer ajuda? Escolho um trechinho: "Para esses delegados, esses cidadãos irresponsáveis sabem que, quando ébrios ao volante, podem mutilar ou matar, o que justifica o enquadramento no dolo".

Será que não está claro? A passagem seguinte, que começa com "mas é claro que não se pode garantir", foi posta justamente para mostrar que a simplória definição de parte da imprensa desmorona diante do exemplo dos crimes de trânsito, que também podem constituir casos de dolo.

Mas nem tudo foi cinza na última semana. Um advogado me escreveu, com toda a gentileza do mundo, também para afirmar que eu me equivocara etc. Trocamos várias mensagens, até que ele me escreveu estas palavras: "Entretanto, o que você discutia era coisa totalmente distinta. Não há, pois, por que modificar seu parágrafo. Não tenho como agradecer-lhe o tempo que gastou comigo".

Não gastei tempo, não, caro leitor (cujo nome não revelo porque não lhe pedi autorização para isso). Ganhei tempo, ganhei uma conversa respeitosa e civilizada, ganhei afeto.

Há uma grande diferença entre debater civilizadamente e linchar. Os linchamentos morais muitas vezes decorrem da incompreensão de um texto, de uma mensagem; os físicos às vezes decorrem dessa mesma incompreensão e, sempre, de outra, muito mais grave: a incompreensão do que é a vida, do que é um semelhante, um filho de Deus. É isso.


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