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Pasquale Cipro Neto

'A capela', 'à capela' ou 'a cappella'?

A expressão 'a cappella' é registrada pelo 'Houaiss', que não dá nenhuma versão portuguesa equivalente

Em 2011, num jogo Brasil x Argentina, os torcedores de Belém inauguraram a prática de cantar o nosso hino até o fim, mesmo depois da parada do apoio instrumental. A imprensa logo divulgou a expressão que nomeia esse tipo de canto, feito sem acompanhamento de instrumentos.

Pois bem. Como se escreve essa expressão? Canta-se "a capela", "à capela" ou "a cappella"? Há alguns dias, o grande Juca Kfouri me perguntou, na lata, mais ou menos isto: "Como é que se canta, professor?". Dias depois, o mesmo Juca me disse que "até mestre Verissimo craseia'". Lembrei a ele que o nosso grande Clóvis Rossi também optou por "à capela".

Essa expressão, de uso universal, vem direto do italiano ("a cappella") e é usada assim, no original, em francês e em inglês, por exemplo. Integra um rol de expressões como "Allegro ma non tropo", "Allegro vivace" ou "Molto vivace", que não se traduzem.

A palavra italiana "cappella" equivale à portuguesa "capela", que, como se sabe, denomina uma pequena igreja, com apenas um altar, ou cada um dos locais de uma igreja reservados para orações etc. A expressão vem do Renascimento e era usada para nomear o canto de grupos durante missas realizadas em capelas, sem acompanhamento musical.

Em textos técnicos italianos, há ainda outras duas denominações equivalentes: "canto alla romana" ("canto à romana") e "canto alla Palestrina" ("canto à Palestrina"). Não se empolguem, não, palestrinos. O "canto à Palestrina" nada tem que ver com o glorioso Palestra Itália (que depois virou Palmeiras). Trata-se de uma referência ao grande músico italiano Giovanni Pierluigi da Palestrina, que viveu de 1525 ou 1526, não se sabe ao certo, a 1594. Palestrina foi inovador na regência de coros "a cappella".

Por que traduzi, sem pestanejar, "canto alla romana" por "canto à romana" (com acento grave no "a") e "canto alla Palestrina" por "canto à Palestrina" (também com acento)? Nos dois casos, tanto em italiano quanto em português, ocorrem a preposição e o artigo. Está embutida aí a expressão feminina "à moda de", equivalente à masculina "ao estilo de/modo de": "canto à moda romana", "canto ao modo/estilo romano"; "canto à moda de Palestrina", "canto ao modo de/estilo de Palestrina".

Será que se pode pensar nisso em relação à expressão "a cappella"? Teríamos aí algo que se pudesse explicar como se fosse "canto à moda da capela" ou "canto ao modo da/ao estilo da capela"? Parece um tanto difícil cravar uma resposta taxativa.

A expressão "a cappella" é registrada entre nós pelo "Houaiss", que, por sinal, não dá nenhuma versão portuguesa equivalente, isto é, só registra a forma italiana, universal, como são universais e só são registradas no original formas como "allegro ma non troppo" etc. O "Aulete" (eletrônico") e o "Aurélio" traduzem (dão "a capela", sem acento).

Em Portugal, há vozes discordantes: o "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", da Academia das Ciências de Lisboa, e o "Ciberdúvidas" grafam "à capela", certamente porque entendem que essa expressão entra no grande balaio das expressões adverbiais femininas, como "à vontade" (de "Ficar à vontade", por exemplo), "às claras" ("Falar às claras"), "às vezes" ("Às vezes não entendo..."), "à moda de" ("Escrever à [moda de] Machado") etc.

Se eu tivesse de escrever sobre o que têm feito a nossa torcida e a do Chile, ficaria em dúvida entre a forma original ("A torcida cantou a cappella") e a forma portuguesa registrada nos nossos dicionários ("cantar a capela"), embora veja possibilidade de defesa para "à capela".

O fato é que, "a capela" ou "a cappella", é bonito demais ver o povo cantando o hino, ainda que, no nosso caso, seja evidente a dificuldade para pronunciar e entender certas palavras que há na letra. É isso.


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