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Ilustrada - em cima da hora / Flip 2014

Solomon descobre que brasileiro também é um povo deprimido

Autor de 'O Demônio do Meio-Dia' abre palestra dizendo achar que no Brasil todo mundo era feliz

Depoimento de escritor norte-americano, na Tenda dos Autores, foi recebido com empatia por uma plateia lotada

MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA

Pensava que todos os brasileiros fossem felizes o tempo todo, diz o escritor Andrew Solomon no começo de sua apresentação na Flip, na noite desta sexta-feira.

O autor de "O Demônio do Meio-Dia" foi apresentado pelo mediador, o jornalista Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha. Solomon se diz espantado com o sucesso local de seu livro sobre a depressão, agora relançado pela Companhia das Letras.

Mas, como Solomon sabe por experiência própria, depressão não se confunde com falta de alegria, mas com falta de vitalidade. Ao acordar, ele se deparava com a ideia de que teria de tomar banho. Mas tudo lhe parecia impossível: tirar a roupa, abrir a torneira, pegar o sabonete.

Ele não conseguia nem sequer se mover, como se tivesse tido um derrame. Um dia, passou horas sem conseguir pegar um telefone para pedir ajuda. Por sorte, conta, precisamente seu pai ligou para ele naquele momento --e seu longo percurso de tratamentos começou.

Em "O Demônio do Meio-Dia", diz Solomon, ele procurou desmistificar a tese de que a depressão é um problema específico da classe média ocidental. Rituais africanos, como os que ele presenciou no Senegal, têm o mesmo propósito que as modernas técnicas de psicoterapia. "Pessoas se meterem num quarto escuro, falando das coisas más que aconteceram com elas? Isso lá é tratamento que funcione?", perguntaram-lhe na África.

Não foi a primeira vez em que a plateia lotada da Flip recebeu seu depoimento com risos e empatia. Ele passou a falar de seu novo lançamento, "Longe da Árvore". No livro, Solomon estudou dez tipos de pessoas "fora do normal" (de surdos e portadores da síndrome de Down a indivíduos com propensão ao crime) e sobre como seus pais lidaram com isso.

O título faz referência ao ditado de que "os frutos jamais caem longe da árvore", no sentido de que os filhos nunca saem diferentes dos pais. Mas saem.

Solomon conta que, quando era criança, uma loja de sapatos distribuía bexigas coloridas --e que ele escolheu o balão cor-de-rosa. Sua mãe tentou lembrá-lo de que sua cor preferida era azul. A sua cor preferida hoje continua a ser o azul, mas ele é gay: o que mostra, diz ele brincando, os limites da influência que uma mãe pode ter sobre seu filho.

Mesmo assim, o papel dos pais é decisivo. Ele conta o caso de um menino que nasceu terrivelmente deformado, a ponto de os médicos sugerirem que os pais o deixassem no hospital. Os pais não se conformaram; o garoto tornou-se capaz de andar e foi o primeiro de sua família a entrar na universidade.

"O que vocês fizeram para ele ter uma vida normal?", perguntou Solomon. Nós só o amamos, respondeu a mãe.

A narrativa começava a ter um ar de autoajuda, mas a naturalidade de Solomon --e sua vocação para se interessar antes de tudo pelos fatos, e não por ensinamentos morais, fez com que esse risco passasse rapidamente.

Aceitar um filho gay é sempre possível; como aceitar, entretanto, filhos com propensão ao crime? A pergunta do debatedor, Otavio Frias Filho, impôs mais dificuldades ao curso da exposição --como reconheceu o autor.

A palestra, de todo modo, teve um final feliz. Depois de dedicar tanto tempo a um livro sobre filhos diferentes dos pais, muitas vezes com problemas terríveis, ele resolveu ter um filho.

Seus amigos perguntavam como teve coragem para isso, depois de conhecer tantos casos em que a experiência da paternidade foi dificílima. Mas a superação dos problemas, e a felicidade em superá-los, convenceu-o de que valeria a pena.

O menino, que nasceu de inseminação artificial, tem agora cinco anos, é loirinho e subiu ao palco, para aplausos gerais.


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