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Oscar Vilhena Vieira

Confidente fiel

A banalização do sigilo judicial transforma alguns juízes na principal ameaça à liberdade de expressão

Em pleno regime militar, o ministro Aliomar Baleeiro, do Supremo Tribunal Federal, revogou decisão de um magistrado da antiga Vara de Menores de São Paulo, que havia proibido a circulação de um número especial da revista "Realidade" que trazia uma longa reportagem sobre as mulheres, sob o argumento de que a matéria veiculava conteúdo obsceno e ofensivo à "dignidade da mulher brasileira".

Baleeiro convenceu a maioria dos membros do Supremo, às vésperas do AI-5, que os cidadãos tinham todo o direito de publicar o que pensassem, assim como total autonomia para decidir o que deveriam ler.

Lembrei-me dessa extraordinária decisão em face de dois casos de proibição de circulação de revistas decretados pelo Judiciário nesta semana.

No Ceará, o governador Cid Gomes foi beneficiado por uma decisão judicial que suspendeu a circulação da revista "IstoÉ", que trazia reportagem sobre o novo escândalo da Petrobras, em que o nome do governador foi citado como um eventual favorecido pelo esquema.

Para a juíza, a revista deveria ser censurada por trazer "fatos desabonadores" ao governador, oriundas de uma investigação protegida por sigilo. Logo, uma informação de origem viciada.

A decisão, felizmente, foi suspensa por liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso, para quem os direitos de personalidade do governador, investido em cargo público, não devem se sobrepor ao direito da sociedade de ser informada sobre um fato de interesse público.

Já o TRT da 2ª Região proibiu a circulação da revista "Vogue Kids" por veicular o ensaio "Sombra e água fresca", que trouxe crianças de 10 a 13 anos em fotos sensuais, a partir de provocação do Ministério Público do Trabalho, sob o argumento de que o ensaio afrontou o disposto no artigo 227 da Constituição, que determina que as crianças devam ficar a salvo de toda forma de negligência e exploração.

Importa dizer que a editora recolheu os exemplares e fez nota com avexada retratação.

Como se pode perceber, os casos são bem diferentes. A questão, no entanto, é compreender até onde vai o poder de nossos juízes de censurar os meios de comunicação, fato cada vez mais corriqueiro, sob a justificativa de proteção dos direitos de personalidade.

A Constituição de 1988 é bastante clara ao vedar a censura, por intermédio dos artigos 5º, IV, IX e 220, especialmente seu parágrafo 2º. O abuso da liberdade de expressão deverá ser reprimido a posteriori, por intermédio de retratações, indenizações e mesmo do direito penal (artigo 5º, X da CF).

Isso não significa, no entanto, que em casos excepcionalíssimos o recurso à censura prévia não possa ser usado, como no caso dos direitos das crianças que, por força constitucional, têm "absoluta prioridade", ou seja, devem prevalecer em caso de confronto com outros valores também protegidos pela Constituição.

Por sua vez, a banalização do instituto do sigilo judicial e mesmo a total falta de cerimônia na proibição de biografias não autorizadas ou no fechamento de sites, especialmente em casos que envolvem a proteção da imagem de figuras públicas, têm transformado alguns de nossos juízes na principal ameaça à liberdade de expressão no Brasil.

De servos da lei, em confidentes fiéis. Depositários de segredos que, de fato e de direito, deveriam ser de domínio público.


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