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Cotidiano

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Entrevista Marcelo Tas

Meu filho me ensinou que é o afeto que deve nos guiar

Apresentador fala da relação com seu filho luc, 25, que aos 22 anos se descobriu transexual

MORRIS KACHANI DE SÃO PAULO

O apresentador Marcelo Tas, 54, tem três filhos. Dois deles, Miguel e Clarice, de 13 e 9, do casamento com a atriz Bel Kowarick. E Luc, gerado em Nova York (EUA), fruto do relacionamento com a figurinista Claudia Kopke.

Luc se descobriu bissexual aos 15 e, aos 22, transexual. Hoje, aos 25, Luc --nascido Luíza-- mora em Washington (EUA), exerce a advocacia e é casado com Nicholas, também transexual.

Segundo Tas, os filhos Miguel e Clarice "deram aula" sobre como conduzir o assunto. Aos pais, Clarice disse que sempre percebeu que Luc não gostava de usar roupas femininas e que tinha certeza de que o irmão estava fazendo a coisa certa.

"Eu fico surpreso e até esperançoso de ver como as crianças nos ensinam a tratar assuntos aparentemente espinhosos e complicados de uma forma generosa e elevada", afirma Tas.

O apresentador do programa "CQC", da Band, fala sobre o aprendizado com a orientação sexual do filho.

"Aprendi uma coisa tão óbvia quanto difícil de praticar: que devemos sempre nos guiar pelo afeto. Só assim temos chance de superar o estágio de atraso e preconceito que vivemos no Brasil, um país aparentemente liberal, mas extremamente violento quando o assunto é sexualidade", afirma Tas.

Em entrevista à revista "Crescer", Luc disse ser "muito sortudo". "Minha família sempre me apoiou em tudo. Eu contei que era bi quando ainda era muito novo e eles nem piscaram. Quanto a eu ser trans, acredito que foi um pouco mais difícil, tanto para mim quanto para eles."

Folha - Você disse que a sexualidade é assunto que nos desafia desde que o mundo é mundo. O que aprendeu em termos de sexualidade com esse processo do Luc?

Marcelo Tas - Não conheço um ser humano --independentemente de ser hetero, gay, trans ou bi-- que não tenha conflitos em relação à sua sexualidade. Antes de julgar os diferentes, cada um deveria contemplar a própria dificuldade em lidar com o assunto sexo.

Com o Luc, ampliei minha consciência sobre as questões de gênero e sexualidade. Hoje convivo com mais tolerância e generosidade em relação à vida sexual alheia e à minha própria.

Como entender a ideia de alguém que nasce menino "preso" no corpo de uma menina?

Todos nascemos e vivemos presos a um corpo. A vida é uma correria que tem como prêmio na reta de chegada a finitude do corpo físico.

Me parece que o que resta a nós, pobres mortais, é cultivar alguma forma de transcendência para nos safar dessa prisão e aperfeiçoar nossa breve passagem por este mundo.

Para alguns, esse aperfeiçoamento passa por uma questão de gênero, para outros, pela questão religiosa ou pela psicanálise, pelas artes e até pelo trabalho...

Quem é que pode julgar o caminho do autoconhecimento alheio?

Sua pergunta me fez lembrar a resposta da atriz Laverne Cox, que é trans, à grande entrevistadora Katie Couric quando indagada sobre sua anatomia no lançamento da série "Orange Is The New Black". Laverne educadamente disse que esse tipo de pergunta limita o debate de temas mais amplos.

Eu concordo com ela. Ninguém até hoje perguntou ao Tom Hanks se ele tem pau pequeno, por exemplo. Talvez tenha, ou não. E isso não tem tanta importância.

Desde quando Luc está morando nos Estados Unidos e por quê? Seria a vida de um trans mais fácil por lá? Ele está namorando um homem?

Luc cursou direito na PUC do Rio. Em 2012, num intercâmbio nos EUA, ganhou uma importante competição --a Inter American Human Rights Moot Court-- entre alunos da American University, em Washington, DC.

Conquistou a admiração de uma de suas ilustres professoras, Catalina Botero, relatora da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Desde 2013, Luc trabalha diretamente com ela, na sede da OEA em Washington, na defesa da liberdade de expressão e direitos humanos na América Latina.

Essa é a razão de ele viver na capital dos EUA, onde se casou com Nicholas, seu marido, que também é trans.

Laerte é uma inspiração?

Laerte é uma inspiração e um grande amigo. Ou melhor, amiga. Estou sempre pedindo desculpas aos trans pelas minhas dificuldades com os pronomes. Sou um homem antigo, aprendo devagar e espero que eles tenham compaixão de mim.

O que você, como pai de Luc, aprendeu com tudo isso? O que há em termos de direito LGBT para ser conquistado no Brasil?

Aprendi uma coisa tão óbvia quanto difícil de praticar: que devemos sempre nos guiar pelo afeto.

Só assim temos chance de superar o estágio de atraso e preconceito que vivemos no Brasil, um país aparentemente liberal, mas extremamente violento quando o assunto é sexualidade.

Não estou falando apenas dos direitos LGBT. Falo também de crianças e mulheres que são cotidianamente importunadas por trogloditas, estupradas de forma cruel e sistemática diante dos nossos olhos passivos e atarantados.

Você já fez piada com bissexualidade ou trans? No "CQC" alguém já fez? Como você reagiu? Até que ponto uma piada pode ser permeada de preconceito?

O "CQC" faz piada com tudo, inclusive com sexualidade. Não vejo problema nisso. O humor vive de escancarar a dificuldade humana em reconhecer sua precariedade.

A única coisa que não se pode admitir numa piada é que ela não tenha graça. O comediante também nunca deve esquecer de rir de si mesmo. Senão ele vira um caga-regras e uma piada egóica dele pode virar tema de debate sub-intelectual.

Sobre o "CQC", há comentários de que o programa nunca esteve tão ruim. Audiência menor e necessidade de renovação. Que a própria Band estaria discutindo como trazer oxigênio ao programa e que ele perdeu relevância política e a aura de trazer novidades.

Renovação é necessidade permanente da TV, mídia gulosa por novidades. A história do "CQC" fala por si. Em sete anos, o programa virou referência no humor e no telejornalismo. Influenciou e continua influenciando uma geração de comunicadores e comediantes.


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