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3 violões 3 órgãos

Músicos gaúchos se reúnem para formar a banda Los 3 Plantados, baseada na experiência comum de seus integrantes, que passaram por transplantes de fígado e rim em 2013; ideia é incentivar a doação de órgãos no país

DAIGO OLIVA EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

Em novembro de 2013, o músico Ricardo Cordeiro, 57, mais conhecido em Porto Alegre como King Jim, acordou no meio da madrugada na cama de um hospital. Entubado, ele não conseguia se mexer nem falar. Pensou que havia sido enterrado e que estava no inferno ao ouvir alguém dizer: "Não te meeeeeeeeexe!".

Conduzido até a sala de cirurgia em coma, King Jim havia acabado de realizar um transplante de fígado após três anos na fila de espera.

"Fui salvo aos 47 do segundo tempo", lembra. Pouco menos de um ano após a experiência rejuvenescedora, como ele mesmo define, o músico se juntou a dois amigos que também receberam doações de órgãos para montar a banda de rock Los 3 Plantados.

A ideia partiu de Arvelindo Ferreira Neto, 59, que assim como King, responde por outro nome --Jimi Joe. Guitarrista da banda de apoio de Wander Wildner, ex-líder do grupo punk Replicantes, Joe recebeu um rim em 2013, depois de aguardar por uma década.

Aos 24 anos, o guitarrista sofreu um acidente de moto e descobriu que tinha rins policísticos, doença genética que, aos 48, interrompeu sua função renal.

Em uma reinternação pós-transplante, quando ele sofreu por três meses com uma infecção, a mulher de Joe lembrou que os amigos King Jim e Bebeto Alves --este recebeu um novo fígado-- haviam passado pela mesma situação.

"Hospital é chato para caramba, incomoda. Para tentar aliviar o clima, a minha mulher falou brincando: No ano que vem vocês todos estarão legais, por que não fazem uma banda?'", conta Joe.

Ele não esperou nem seis meses. Quando recebeu alta, em janeiro deste ano, falou com os outros músicos e "a química rolou". No primeiro show, no final do mês passado, tocaram composições próprias com letras como: "Alguém pode viver com o rim da Maria / E a medula de um outro, salvar tua tia / Um novo pulmão era tudo o que se queria / Pra salvar o Pedro, o André e também a Luzia".

O trio de violões define o som da banda como "pop diferenciado", mas defende que seja uma mistura de rock clássico, punk e milonga, ritmo tradicional gaúcho.

A apresentação aconteceu na fundação cultural Ecarta, em Porto Alegre, que promove uma campanha permanente de doação de órgãos. Com outro show marcado para o começo de novembro, eles esperam receber o reforço eventual do tecladista Luciano Leães, que passou por um... transplante de córnea.

SENSÍVEL

Segundo dados do Sistema Nacional de Transplante, publicados em reportagem da Folha de setembro, entre 2003 e 2013 o número de transplantes no país saltou de 12.722 para 23.457. Houve aumento também no número de doadores efetivos. Em 2008, foram pouco mais de 1,3 mil e, neste ano, a estimativa é que cheguem a 2,6 mil.

"A gente sofreu muito na fila e queremos melhorar isso", afirma Joe. "Mas tudo com muita leveza, a gente quer fazer com humor."

Mesmo que eles não tenham nenhum contato com a família dos doadores, King Jim sabe que recebeu o fígado de uma mulher, o que o faz acreditar que tenha ficado mais sensível. "Fiquei mais chorão. Tu ri de piada fraca, chora com notícia boba de jornal", diverte-se. "Acho que esse contato com a finitude é que te deixa outra pessoa e a gente agora tem a oportunidade de ajudar com a banda."

Bebeto Alves, 59, concorda. Ele afirma que a experiência do transplante fez com que ele acreditasse na generosidade da humanidade "como nunca havia acreditado".

Para King Jim, agora só falta poder voltar a tocar saxofone. "Mas aí só quando eu tratar a hérnia de disco."


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