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Mercadão de SP faz 80 anos nesta semana
Reportagem passa uma semana acompanhando a rotina do local, que recebe 10 milhões de visitantes por ano
Simpático, espaço se destaca no varejo de dia; à noite, retoma sua origem de entreposto e ganha ares hostis
Do lado de fora, uma multidão aguardava a inauguração do Mercado Municipal Paulistano, no dia 25 de janeiro de 1933. Aquele seria, enfim, um espaço à altura da metrópole que se firmara nos últimos 30 anos com a cultura do café.
Na Várzea do Carmo, banhada pelo rio Tamanduateí, estava sendo institucionalizado um comércio de alimentos que se desenvolvia desde o século 18 pelas ruas da região.
O Mercadão foi o mais importante entreposto alimentício da cidade até a década de 1960, quando foi substituído pela Ceagesp, na zona oeste. Desde então, foi perdendo suas características atacadistas e se destaca hoje no varejo.
Após a reforma de 2004, quando o prédio ganhou um mezanino com lanchonetes e restaurantes, passou a ter status de ponto turístico.
Hoje, o Mercadão recebe gente de todo o mundo. Dos 10 milhões de visitantes por ano, 52% não são paulistanos.
A reportagem acompanhou a rotina do lugar, que comemora 80 anos nesta semana, entre os dias 4 e 10 de janeiro.
SEXTA E SÁBADO
"Venha de calças e sapatos pretos e tire essa barba." Seguindo a orientação dada na véspera pelo meu primeiro chefe no Mercadão, cheguei às 9h para trabalhar na lanchonete Mortadela Brasil, no mezanino desde 2004.
Das 11h30 às 17h, o movimento não para. Famílias, casais, turmas de beberrões, solitários ou gringos se amontoam nas mesas e na fila.
Aos sábados, quando o Mercado chega a receber 40 mil pessoas, o movimento é intenso. Percebi que, no primeiro dia, no afã de mostrar serviço, cheguei a atrapalhar.
DOMINGO E SEGUNDA
Cheguei às 7h na Barraca do Juca, ali desde 1970, e esperei pelo dono, "seu" Pedro, que me deu um jaleco e me apresentou aos oito vendedores.
Um me explica as técnicas: "O mais difícil é a abordagem. Eu miro os clientes de longe". No fim do dia, tudo o que tem de ser guardado vai para a câmara refrigerada. Às 16h, é hora de ir embora.
Como conquistar habilidade na oratória, destreza tátil e marketing com malandragem? Chego receoso na segunda. O alívio foi quando um cliente me pediu um saquinho de cereja -minha primeira e única venda, de R$ 10.
Segundas, quartas e sextas são dias de compras na Ceagesp. Partimos, eu e mais dois, na Kombi caindo aos pedaços.
TERÇA E QUARTA
Os atuais Irmãos Borges, que dão nome ao empório instalado ali desde 1952, são da terceira geração. Todos -três homens e uma mulher-têm curso superior e acompanham "seu" Borges, o pai, que emprega ainda um sobrinho, dois netos e uma nora.
O box é um dos pouquíssimos que abrem às 5h. Disseram para eu chegar às 7h.
Agora, trabalho com mulheres, que são 30% da equipe de quase 30 funcionários.
Do estoque, levamos 25 kg de bacalhau. Comecei carregando sozinho, mas pedi ajuda. O Mané, o mais bonachão dos Borges, responsável pelo "front" com o cliente, diz: "Magrão, vai limpar os bacalhaus". Um colega explica como.
Na quarta, varri o boxe e de novo lidei com o bacalhau.
QUINTA
Eu havia ouvido histórias que me faziam temer possíveis hostilidades durante minha visita noturna ao Mercadão. E não foi diferente.
O assunto é tráfico de drogas, furtos, assassinatos e outras ocorrências. Alguém resmunga que até uma arma é possível comprar no local.
À noite, o Mercadão retorna às origens como entreposto. Feirantes compram lá.
Um homem, que estava o tempo todo quieto em um caminhão, me encara: "Ei, se essa sua reportagem for falar mal de nós e daqui, eu te pego".