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Tragédia no Sul
Entre bolsas e roupas, parentes buscam últimas lembranças
Delegacia de polícia começou a devolver objetos deixados por frequentadores no domingo na boate
"Estava tudo inteiro, nada queimou. Até a gaita (sanfona) estava funcionando", contou estudante
Bolsas, mochilas, carteiras, peças de roupa. Objetos pertencentes a vítimas e sobreviventes da tragédia de Santa Maria, deixados para trás na boate Kiss, foram devolvidos ontem a familiares.
Tudo ensacado e identificado com o nome pela 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria. Foram encontrados no chão da casa noturna no dia seguinte.
"Estava tudo inteiro, nada queimou. Até a gaita do gaiteiro estava funcionando perfeitamente", contou a estudante Sandra Obregon, 20, que foi à delegacia tentar retirar os pertences de uma amiga que também se salvou do incêndio, mas está fora da cidade.
Gaita é como os gaúchos chamam a tradicional sanfona. Ela pertencia a Danilo Jaques, 30, único integrante da banda Gurizada Fandangueira que morreu na tragédia.
Parentes dele também foram ontem à delegacia recuperar o instrumento. A gaita ficou mesmo intacta, segundo Bruno, 23, seu irmão, que trabalha fazendo sonorização em festas e eventos.
A família afirma que não quer se envolver com as investigações. "Já está muito pesada a perda", disse o pai, Daniel Jaques, 53. Também músico profissional, foi ele quem ensinou Danilo a tocar gaita, ainda aos nove anos.
FUMAÇA
Embora remetessem às últimas lembranças de filhos, irmãos, netos e amigos, havia algo nos objetos na delegacia que incomodou os familiares: o cheio de fumaça impregnada em cada peça.
A fumaça tóxica, liberada com a queima da espuma de poliuretano que revestia o teto da boate, foi a principal causa da tragédia do último domingo, segundo a polícia.
"Como mexi nas bolsas, fiquei com a mão cheirando", disse Sandra.
Os objetos, contou, não chegaram a queimar. Alguns tinham restos da espuma derretida -como a mochila do DJ Bolinha, que "discotecava" na boate entre os shows e ontem decidiu buscar seus pertences.
Dari Edson Conti segurava como um triste troféu uma carteira, intacta, mas coberta por espuma derretida.
"Até a identidade está aqui", disse ele, pai de Raquel Daiane Fischer, 18, aluna de tecnologia de alimentos da Universidade Federal de Santa Maria morta na Kiss.
O cheiro de fumaça era tanto que até a sala da delegacia incomodava, reclamaram os os pais de outra vítima, Rodrigo Bellinghausen Bairros Costa. O mesmo odor estava nas roupas do rapaz, retiradas no hospital, e ficou impregnado por todo lugar por onde passaram as sacolas.
COMANDAS E CELULARES
Todos os objetos foram analisados como provas. A polícia só reteve as comandas da Kiss encontradas em carteiras e bolsas e os celulares. Ambos ainda farão parte da investigação.
Com as comandas, por exemplo, será possível saber se a casa vendeu bebida alcoólica para menores de idade. Em relação aos celulares, o objetivo é vasculhá-los em busca de fotos e vídeos feitos ao longo do show de domingo.
Em alguns poucos casos, visitantes afirmaram ter dado pela falta de dinheiro nas carteiras, mas não sabem em que ponto, entre a boate e a delegacia, os valores teriam se perdido.