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Dilma

Autoconfiante e centralizadora, petista se isolou até de Lula

MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA NATUZA NERY DE BRASÍLIA

"Se eu perder alguns pontos de popularidade, tudo bem." A frase de Dilma Rousseff (PT) mostra a sua autoconfiança em 2011, seu primeiro ano de governo. Eram os tempos em que à imagem de "mãe do PAC", lançada por Lula, acrescentava-se a da iniciadora de uma "faxina ética" no governo.

Leitora minuciosa de jornais, a presidente demitiu seis ministros num intervalo de menos de 12 meses -sem contar o mais importante de todos, pelas articulações com o meio empresarial: Antonio Palocci, da Fazenda.

A demissão de Palocci não foi o único fator a dar uma espécie de "carta de alforria" para Dilma exercer sua vocação centralizadora no governo. Diagnosticado com um câncer na garganta em outubro de 2011, Lula se afastaria dos bastidores de Brasília. A autoconfiança da "faxineira" já não tinha como diminuir.

"Quando ela viu que era Lula mais 'x' de popularidade, começou a cometer erros", diz um ministro que a acompanha desde o primeiro ano de governo.

Em 2012, acabariam as reuniões de coordenação no Planalto, nas quais ela se reunia com os principais assessores para discutir a agenda e aparar arestas.

Torturada durante a ditadura militar, Dilma terá guardado do período de clandestinidade uma aversão profunda ao vazamento de informações -o que restringe o compartilhamento de pontos de vista em discussões internas. Com o fim das reuniões, alguns ministros passaram a se encontrar sem sua presença, para afinar discursos e estratégias. "Isso é conspiração!", reagiu a presidente.

O melhor exemplo da atitude centralizadora de Dilma está no controle que ela exerce sobre o plano de voo do avião presidencial. Para evitar turbulências, o piloto é forçado a ziguezagues e desvios de rota. "Estamos indo para a África?" perguntou certa vez o ex-presidente José Sarney, que pegava uma carona, ao ver na tela do avião a curva imposta ao trajeto do piloto.

O detalhismo de Dilma encontra outro exemplo num diálogo com sua equipe de segurança, nos preparativos para o desfile de 7 de setembro do ano passado. Escaldada pelas manifestações de junho, Dilma estudou a exata localização das grades e arquibancadas da parada. "Põe mais cercas", determinou.

Um episódio de infância, narrado pelo jornalista Ricardo Batista Amaral em "A Vida Quer É Coragem" (ed. Primeira Pessoa, 2011), revela a altivez da futura presidente.

Numa festinha, a amiga aniversariante exibia a boneca importada, do tamanho de uma criança real, que tinha acabado de ganhar. As convidadas, diz o biógrafo, "faziam fila para admirar a novidade, mas Dilminha, de braços cruzados, não quis chegar nem perto".

A aniversariante dirigiu-lhe uma pergunta imprudente. "Não quer carregar minha boneca?" Dilma respondeu que não. "O meu pai vai me dar uma boneca maior que a sua."

Muitos anos depois, em pleno governo Lula, a "rapidez no gatilho" da ex-militante do grupo VAR-Palmares se voltaria contra Marina Silva, sua colega de ministério. Debatia-se a construção de usinas no rio Madeira. "Ou fazemos as usinas ou vamos ter de queimar carvão em termelétrica. É isso o que você quer?", perguntou Dilma, então ministra das Minas e Energia.

Discussões desse tipo haverão de ter sido café pequeno para quem, com pouco mais de 20 anos, divergia do capitão Carlos Lamarca (1937-1971) sobre os rumos da luta contra a ditadura.

No congresso da VAR-Palmares em Teresópolis, em 1969, Dilma defendia a ala dos "políticos" dentro do movimento, contra os "militares" de Lamarca. Considerava mais importantes as tarefas de organização popular do que partir para a guerrilha.

A discordância levaria Lamarca, segundo Ricardo Amaral, a um nervosismo extremo, incluindo choro "e pelo menos um tiro de ameaça".

DESFEITAS E SOLIDÃO

Ainda que não tenha sido nenhuma intervenção particular de Dilma o motivo do descontrole de Lamarca, acumulam-se os casos em que a dureza da atual presidente tem sido capaz de abalar os mais experientes militantes.

A presidente levou às lágrimas José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras de 2005 a 2012, e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

Acessos de raiva também vitimam as escalas inferiores da hierarquia. Uma caixinha de remédios, por exemplo, foi arremessada no chão em instante tempestuoso de Dilma; em outro, roupas tiveram o mesmo destino.

A petista não é dada a pedir desculpas pelas desfeitas, mas reparações acontecem: uma camareira foi incluída no programa Minha Casa, Minha Vida por intervenção da presidente.

Detalhismo e caturrice, segundo muitos, paralisam o seu governo. Cabe perguntar, de todo modo, se nas reclamações sobre "falta de disposição para o diálogo" não há inconformismo quanto à determinação de Dilma em baixar as taxas de juros e em restringir as margens de lucro das empresas nas concessões de infraestrutura.

Diálogo por diálogo, o próprio Lula se ressente de não ter sido consultado -ainda que por questão de cortesia- quanto à candidatura dela à reeleição.

A solidão de Dilma parece ter-se acentuado nos últimos tempos. Quando um encontro de trabalho se prolonga até mais tarde, a presidente tem uma pergunta pronta para o interlocutor: "Não quer tomar uma sopinha?" Não há informações sobre o que acontece a quem recusa.


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