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Angela Alonso

A cor de Marina

A questão racial merecia holofote no debate presidencial, mas perdeu a cena para outros temas

Marina é morena, na música de Caymmi. Morenice que define a identidade nacional e tem estatuto ambíguo na história brasileira.

Em maioria descendentes de ex-escravos ou dos imigrantes que os substituíram, somos todos, em certa medida, mestiços. Fernando Henrique Cardoso se autodefiniu "mulatinho" e Chico Buarque disse que seu neto "é da cor do Brasil". Gilberto Freyre argumenta que a mestiçagem amaciou aqui os antagonismos raciais que clivam os Estados Unidos. E ressaltou o mulato como figura transitiva, nem branco, nem negro, por isso apto a jogar com a cor para ascender na escala social. Possibilidade que alimenta a crença numa democracia racial, na qual a cor, por irrelevante, nem precisaria ser tematizada.

O quadro dista dos Estados Unidos, Freyre tem razão, porque nunca ocorreu a ninguém, nas duas campanhas para a Presidência e no exercício dela, que Barack Obama fosse mulato, embora nascido de mãe branca. O movimento negro o celebrou como "afrodescendente" e os republicanos o achincalharam, em charge, como "macaco".

Mas será tão diferente aqui? "Macaco fulo" escravistas brandiram a José do Patrocínio em meio à campanha pela abolição da escravidão, e "macaco" a torcedora gremista gritou, neste 2014, ao goleiro do Santos. A longa duração do designativo mostra que, ao menos para a parte da nação à qual a torcedora pertence, a democracia racial vale pouco.

A cor importa no Brasil, e muito. A maioria carcerária é negra e os menos educados não são brancos, morrem mais os jovens negros, que não se avistam em escolas privadas e grandes corporações. A elite social é branca, embora mais de metade da população brasileira não o seja.

Questão desse quilate merecia holofote no debate presidencial, mas perdeu a cena para corrupção, homofobia, religião. À exceção de Caetano Veloso, que chamou a atenção para sua "pele escura", a cor da candidata do PSB não vem sendo objeto de muita conversa. A gana do ativismo LGBT em defender sua causa não se replicou no movimento negro. Movimento que se valeu dos Estados Unidos, para voltar ao contraponto de Freyre, como modelo para ações afirmativas, cuja eficácia se pode discutir, mas é indisputável que puseram o problema na agenda.

Neste ano de Copa, o futebol, que, com mestiçagem e samba, arma a simbologia da nacionalidade, foi mais efetivo que a política em pôr o dedo na ferida, da dignidade do atacante que descascou a banana à do goleiro que obrigou a nação à engoli-la.

Mas a digestão segue difícil. Marina Silva, embora aqui e ali tenha se definido como "negra, mulher e pobre", não puxou a questão para o centro do debate.

Alguém a descreveu como "cinza", não por mistura de branco e preto, mas por envenenada com mercúrio. Marina traz no corpo --como o dedo que falta à Lula-- a trajetória complexa dos poucos nascidos nos estratos sociais subalternos que chegam às primeiras posições no Brasil. Se não falar disso em alto e bom som, fará perguntar, com Caymmi, "Marina, morena, você se pintou?".


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