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Como eles decidiram

Eleitores que vão às urnas neste domingo dizem não misturar fé e política, divergem sobre programas sociais e colocam aposentadoria e saúde como temas espinhosos

MARCELO COELHO COLUNISTA DA FOLHA

Entrevistei nas últimas semanas uma série de eleitores, selecionados pelo Datafolha conforme características de idade, renda e escolaridade específicas. Em tese, corresponderiam aos padrões mais "típicos" de quem vota em Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB) ou Aécio Neves (PSDB) na Grande São Paulo.

Só que, como sabemos, de perto ninguém é "típico". A estatística funciona com os grandes números, e o grupo de pessoas a que tive acesso não tem valor como amostra do eleitorado mais amplo.

Atravessando a cidade algumas vezes, de Cajamar à Vila Gumercindo, de uma favela em São Bernardo a um escritório de advocacia na Vila Mariana, de Guarulhos a Embu-Guaçu, consegui, entretanto, tirar algumas conclusões gerais e, sobretudo, perder preconceitos que tinha.

Imaginava encontrar eleitores muito desinformados e sem interesse pela política.

Talvez o fato de terem concordado em participar da reportagem imponha algum viés nos resultados, mas todos os entrevistados -até mesmo os de pouquíssima escolaridade- falavam das eleições com muito conhecimento de causa.

Encontrei quem tenha irmã na política, como Hasurem Mendes; quem já foi candidato a prefeito, como Ancelmo Aldon; quem foi militante petista por anos, como Valter Fontes.

Dado o número imenso de candidatos a cargos eletivos e o interesse intrínseco do que pudessem dizer os entrevistados, não achei que essa circunstância pudesse contaminar a representatividade do "Painel do Eleitor". Não quis fazer estatística, mas reunir histórias de vida.

Seja como for, o que ouvi dos eleitores fugiu bastante do que eu esperava -e a surpresa, estimulando novas perguntas, pode ajudar mais o conhecimento do que a confirmação dos dados já coletados de outro modo.

FÉ E POLÍTICA

Evangélicos como Paulo de Brito, católicos praticantes como Antonio Maciel da Silva ou deístas sem nenhuma religião em especial como Jucilene Pedro são unânimes em dizer que fé e política não devem se misturar. A crença de um candidato não influencia, segundo todos os eleitores que entrevistei, seu comportamento como administrador.

A religião influi, naturalmente, na rejeição ao casamento homoafetivo. A maior preocupação que pude notar, numa eleitora como Claudecir Dinis, é com a criminalização da homofobia. Seguidora da Igreja Universal, ela garante que há deputados federais interessados em mandar para a cadeia os sacerdotes que se recusem a oficiar, no religioso, o casamento gay.

Casamento gay? Minha terminologia foi corrigida, por ser "politicamente incorreta", por Jucilene, moradora de uma favela em São Bernardo, com estudo universitário ainda por terminar.

Lacunas no conhecimento dos partidos e dos candidatos foram poucas. Acontecem, às vezes, com quem menos se espera. Pode ter sido impressão minha, mas notei um tom de dúvida por parte de uma advogada, com escritório bem montado, quanto a que legenda pertence o governador Geraldo Alckmin.

BOLSA FAMÍLIA

Intuo que faltou propaganda no caso de Alexandre Padilha, candidato do PT ao governo paulista. Dilmistas convictos não sabiam quem escolher na eleição estadual.

De forma bem mais clara do que o Minha Casa, Minha Vida, o Mais Médicos ou o ProUni, o Bolsa Família parece ser o grande divisor de águas na atual eleição. Quem se beneficia do programa, ou aprova seu conteúdo geral, decide-se pelo PT sem hesitação.

Há o outro lado da moeda. Muitos eleitores que eu não hesitaria em chamar de pobres rejeitam enfaticamente o programa social petista.

Os argumentos variam pouco, mas revelam real indignação. Quem tem parentes no Nordeste repetidamente relata abusos no programa: gente que aluga casas para renda recebe o Bolsa Família; pessoas de 20 anos ganham para ficar sem trabalhar; o sistema incentiva os casais a terem mais filhos; o dinheiro dos meus impostos não pode sustentar vagabundo...

Talvez esse ponto de vista se reflita numa avaliação muito comum entre os opositores de Dilma: a de que "falta firmeza" a Aécio e Marina.

É como se, nesses entrevistados, a expectativa de um discurso mais frontal contra o PT estivesse sendo frustrada. No caso de Marina Silva, a ideia de "falta de firmeza" se associou também ao fato de que a candidata já passou por vários partidos.

A imagem de Marina se tornou "mais comercial" nesta campanha, diz a fisioterapeuta Camila Rebelo. Ela repetirá, mas sem entusiasmo, o voto que deu à ambientalista nas eleições de 2010. Algo se diluiu, sem dúvida, na mensagem marinista ao longo das últimas semanas.

Outro ponto em que as reclamações são enfáticas, tanto por parte de Valter Fontes, psicólogo eleitor de Dilma, quanto por parte de Antonio Maciel da Silva, operário eleitor de Aécio, é a política previdenciária. A diminuição da aposentadoria por tempo de serviço, a exigência de contribuição para os pensionistas, a "linha dura" na concessão de afastamento médico, o valor das pensões, tudo leva a crer que não há assunto mais espinhoso do que este para o próximo Congresso.

SAÚDE E CORRUPÇÃO

Os serviços de saúde não ficam atrás: o tempo de espera para a realização de exames e consultas no sistema público é uma tecla invariável nas entrevistas. Mesmo eleitores com convênio particular têm familiares à mercê dos serviços do Estado.

Corrupção aparece como um forte motivo para não se votar no PT, mas a minha impressão é que o assunto não se mostra tão central quanto em outras eleições.

Como quase todo mundo, não importando o grau de escolaridade, os entrevistados mostraram não saber, até a última hora, em quem votar para os cargos de deputado estadual ou federal.

Mesmo numa cidade como São Paulo, a lógica do sistema político brasileiro se expôs com total nitidez.

As divisões na preferência partidária, na ideologia, na avaliação da situação econômica (inflação aparece bastante) são claríssimas na hora de votar para presidente ou governador. Nos cargos do Legislativo, entretanto, desaparecem, e cedem lugar ao puro interesse local.

Vota-se no deputado da região, que possa pressionar o Executivo por melhoramentos específicos. É uma espécie de advogado ou despachante local, de quem não se cobra maior coerência no apoio ou na oposição ao Executivo.

É uma lógica perversa, como sabemos. Mas, pelo que vi quanto ao grau de informação dos entrevistados (capazes de nuances no julgamento, prontos a lembrar frases e atitudes condenáveis ou meritórias tanto dos seus candidatos quanto de adversários), os problemas de representação no Legislativo estão longe de ser fruto, como eu pensava, da falta de escolaridade ou do desinteresse da população.

O que mais encontrei foi coerência e poder para articular com perfeita clareza os próprios motivos para votar neste ou naquele candidato.


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