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Minha história Verônica Hipolito, 17

Corrida contra o AVC

Jovem que foi campeã mundial de para-atletismo após sofrer acidente vascular conta como é conviver com as sequelas e com tumor na cabeça

PAULO ROBERTO CONDE DE SÃO PAULO

Mesmo que eu force muito, as lembranças não vêm.

As memórias mais antigas que me surgem são de quando tinha 13 anos, sempre relacionadas a algum esporte.

Pelo que me contam, eu praticava ginástica olímpica, natação e judô. Uma foto no meu quarto mostra que eu fui a goleira menos vazada em um campeonato de futsal.

Eu vou ser bem sincera: depois que tive o AVC (acidente vascular cerebral) em 2011, então com 14 anos, não lembro de muita coisa que tinha me acontecido antes.

Por causa do incidente, o lado direito do meu corpo ficou paralisado, do ombro ao quadril. Por sorte, tive uma recuperação rápida e não passei por cirurgia.

Mas o AVC deixou marcas. Logo depois de sofrê-lo, eu tinha espasmos bem fortes no meu braço. Apertava o braço e tentava fazê-lo parar, mas isso nunca dava certo.

As sequelas da lesão me fizeram esquecer de amigos, de familiares e até do conteúdo escolar. Comprometeram minha fala. Multiplicações simples se tornaram difíceis para mim. E olha que me contam que eu era uma aluna aplicada, mas não adiantou.

Tive de reaprender tudo, de português a inglês. Só que nunca mais voltei a ser aquela aluna exemplar de antes.

Encontrei conforto no que escrevo e no que leio. Criei uma espécie de diário com folhas de sulfite e de fichário, no qual marco fatos, o que aconteceu e quem me contou.

Para me acalmar, também escrevo histórias sobre certas pessoas que vejo. Invento pseudônimos. Tento entender a alegria das pessoas.

Bem ou mal, o AVC me fez mudar. Diziam que eu era arrogante, rabugenta.

Hoje, com 17 anos, dizem que sou mais afável. Também virei uma atleta mais forte.

Alguns meses depois do acidente, voltei a correr. A convite de uma amiga, fiz um teste no Sesi de Santo André.

Passei e entrei na equipe olímpica. Mas meu treinador, Daniel Lopes, também trabalhava com paraolímpicos e percebeu que, conforme eu corria, mostrava características de atleta com deficiência.

Já no final de 2012, começamos a tentar entrar no paraolimpismo, mas para isso eu precisava obter uma classificação funcional [quando um atleta é avaliado por especialistas e tem sua categoria paraolímpica definida].

O processo todo só acabou em abril deste ano. Fui classificada como da divisão T38 do atletismo. Ela abrange quem tem doença neurológica, como um AVC, e atletas com paralisia cerebral ou com um trauma encefálico.

Logo na primeira competição que fiz, bati um recorde brasileiro. Isso mostrou que eu estava bem posicionada para tentar feitos maiores.

O Mundial de para-atletismo em Lyon, na França, em julho passado, foi a estreia em eventos internacionais. Eu e meu técnico pensávamos que dava para ir bem, mas não esperávamos tanto.

Fui medalha de ouro nos 200 m rasos, prova em que não era favorita. Bati o recorde mundial dos 100 m na semifinal e virei a favorita, mas perdi a decisão.

Em outubro, disputei os Jogos Parapan-Americanos de jovens em Buenos Aires, na Argentina, e ganhei três medalhas de ouro.

Sonho com os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, mas antes lido dia a dia com um outro desafio.

TUMOR

Carrego comigo um tumor na hipófise [glândula localizada na parte inferior do cérebro que regula a atividade de outras glândulas, como a tireoide], bem atrás das fibras óticas, que foi diagnosticado pela primeira vez em 2009 e que poderia ter me cegado ou até mesmo me matado.

Passei por uma cirurgia para a retirada dele, mas um exame de rotina no ano passado mostrou que ele voltou.

Acho que ele gosta muito de mim. Hoje, eu o controlo com remédio, que não afeta minha vida de atleta, mas tem impacto no meu dia a dia.

Tomo Dostinex três vezes por semana, que é um medicamento forte que me cansa, irrita e dá sonolência.

Não posso tomar pancada na cabeça; por isso, nunca mais vou poder fazer judô.

Se sinto dor de cabeça ou tontura, tenho que falar na hora, parar o treino. E também tenho que controlar comidas com sal e doces.

Tenho nove médicos que me ajudam.

Endócrino, ginecologista, cirurgião, hematologista... São tantos que até me esqueço. Desafio a acharem um médico em Santo André que eu não conheça.

A possibilidade de fazer uma cirurgia não foi descartada, mas enquanto o tumor estiver contido ou regredindo, tudo bem. Quero ficar sem cirurgia e pensar no futuro. Ainda estou apenas começando.


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