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Entrevista José Miguel Wisnik

Timbre inventivo da seleção renasceu das cinzas com Felipão

Professor da USP e autor de já clássico Ensaio Sobre Futebol diz que técnico conseguiu usar capacidade de 'animador psicológico' para responder ao estado do futebol atual

JUCA KFOURI COLUNISTA DA FOLHA ESTÊVÃO BERTONI DE SÃO PAULO

O futebol parecia estar no fim, e a seleção tinha se tornado um espectro de si mesma.

Enquanto escrevia o livro "Veneno Remédio - O Futebol e o Brasil" (2008), José Miguel Wisnik acreditava estar tratando da "luz de uma estrela extinta". Sentimento que, segundo o músico, professor de literatura brasileira da USP e santista, não se confirmou.

"O futebol está vivo", afirma Wisnik hoje. Felipão, com suas qualidades de "animador psicológico", devolveu à equipe seu "timbre inventivo", que pôde ser observado na Copa das Confederações.

A conquista do torneio poderia até ter criado um clima de "já ganhou" para a Copa. Algo inédito, porém, impediu o oba-oba: os protestos de junho. Segundo ele, o futebol catalisou as insatisfações populares.

Em entrevista à Folha, ele fala ainda de Neymar, do Barcelona e de como o futebol é o esporte mais difícil de se encaixar na lógica empresarial.

Folha - Falou-se que o Neymar precisava jogar na Europa para melhorar. Você concorda?

José Miguel Wisnik - Acho positivo que o Santos tenha interrompido, num certo momento, o processo automático de transferência para a Europa. Ao mesmo tempo, todos os outros jogadores que se destacavam iam sendo vendidos. A certa altura, o Neymar carregava sozinho o time. Virou uma situação irreal em que Neymar estava jogando com o nada, com uma falta de estrutura correspondente, num projeto esgotado.

Isso é a demonstração de que, de fato, o Brasil é uma droga?

Droga continua sendo: veneno e remédio. Lances de euforia em relação ao Brasil estão fadados a revelar o seu avesso. E quando se diz que o país não serve para nada, alguma coisa dirá o contrário.

O lance do Santos soou como um grito de independência do futebol e de um país com dinheiro circulando. O contexto maior e um pouco de tempo trouxeram à tona as debilidades do projeto. A experiência está mostrando que é importante ele ter uma convivência continuada com grandes jogadores numa realidade que venha a testá-lo.

Você atualizaria seu livro com um capítulo sobre o Barcelona?

Sim. Uma das características que distinguem o futebol é a contingência da posse de bola, em vez da alternância. Na época, escrevi que o Barcelona tinha reduzido drasticamente essa característica. Uma distribuição coletiva implacável, um domínio irritante do passe, uma neutralização instantânea do espaço adversário fazia com que só o time jogasse. Como se esse Barcelona de Guardiola desfizesse a oposição entre ataque e defesa, prosa e poesia, futebol europeu e sul-americano.

Mas o futebol é apaixonante também porque ninguém toma, assim, o jogo para si, e o momento agora já é outro.

Você leu o dossiê de uma aula que o Guardiola deu? É filosofia pura.

Não li. Quando fui escrever o livro, eu tinha a sensação de que o futebol estivesse acabando. Que houvesse um esgotamento, que, no entanto, não se confirmou.

Poderia ser que eu estivesse falando daquele fenômeno de uma luz de uma estrela extinta. Não é, apesar da enorme capitalização.

Foi a tese de fundo do livro. O futebol continua sendo o esporte com mais variáveis e o mais difícil de reduzir a um planejamento empresarial, que, no entanto, vem vindo e comendo por dentro e por fora.

No futebol, tem prevalecido a prosa, embora apareçam ainda "poetas" como o Neymar?

Eu acho que existe uma grande pressão para que ele assuma a lógica da prosa.

Na Copa das Confederações, ele teve de marcar. No Barcelona, o cabelo dele está contido.

No Santos, quando ele virou dono geral, ele podia fazer qualquer coisa com o cabelo, qualquer comemoração. Há uma pressão para que o futebol se torne planejado, racionalizado em campo. Tem todo um princípio de análise de jogo, análise estatística. Isso não funciona para o Neymar. E o Messi também, é um jogador capaz dos mais espantosos gols e de jogadas totalmente imprevisíveis, um futebol de poesia e é o maior jogador do mundo.

Que expectativa você tem em relação ao Brasil na Copa?

Até antes da Copa das Confederações, eu tinha uma expectativa péssima. O futebol brasileiro tinha se transformado num espectro de si mesmo. Achei que o Felipão não era capaz de reverter isso.

Neste momento, sou obrigado a dizer que as qualidades dele como animador psicológico, que cria um sentimento de identificação coletiva, juntaram-se com uma capacidade de resposta ao estado do futebol contemporâneo, combinando marcação determinada com algo da volúpia contra-atacante do futebol alemão recente, com a própria troca de passes espanhola e com algo que, renascido das cinzas, é o timbre inventivo, surpreendente e inconfundível do futebol brasileiro.

Com a Copa das Confederações, não se recria uma "Touradas em Madri" de 1950, um sentimento de "já ganhou"?

Antes da Copa de 2006, por exemplo, me incomodava profundamente o autêntico clima de "Touradas em Madri" que se instaurou em torno da seleção. O oba-oba generalizado, a espetacularização midiática dos treinos.

No momento atual, esse clima ideológico-publicitário tornou-se difícil por mérito da coisa forte que começou a acontecer no Brasil junto com a Copa das Confederações.

Se sempre se disse que o brasileiro é incapaz de se mobilizar para problemas reais porque vive voltado para o lúdico, os movimentos de junho, para surpresa geral, aconteceram sintomaticamente, e não por acaso, com a Copa das Confederações, num efeito paradoxal da "droga Brasil". O futebol agiu como catalisador para que uma demanda localizada como o passe livre se irradiasse em escala nacional.

Não simplificamos essa questão ao nos esquecermos que, na história recente do Brasil, milhões foram às ruas pelas Diretas e pelo impeachment?

É verdade. Não é agora. Talvez fosse difícil que os acontecimentos ganhassem essa extensão se o futebol não oferecesse, com sua onipresença e apelo, o quadro de referência para a reverberação dos protestos, se o país não estivesse no palco da Copa das Confederações.

Sob os ditames do padrão Fifa...

Exatamente, onde os estádios e a Fifa passaram a ser uma alegoria do sistema político como um todo, com os seus acertos de interesses.

E você vincula isso também à comoção que foram as cantorias do hino do Brasil?

Curiosamente, o hino foi cantado como eu nunca vi na ditadura, inclusive porque a ditadura se apropriava do hino, e o hino era a ditadura. Mas, em junho, o hino foi cantado nas manifestações e nos estádios, que se colocaram como espaços opostos. O fenômeno futebolístico dava margem a que se rejeitasse o país que se apresenta e ao mesmo tempo se afirmasse o país, algum país.

Antes do torneio, o Brasil estava na crista da onda, e a seleção, no fundo do poço. Depois, o Brasil estava no fundo do poço, e o futebol voltou a ser o que era.

Essa síndrome pendular pode ser apontada como um eterno retorno ao ponto de não avanço (nunca saímos do mesmo lugar) ou como um modo singular de ir avançando. Como se vê, a ambivalência recomeça, mas ela vai passar por provas mais decisivas durante a Copa. Insisto: é o futebol que é o mote, se não o motivo, desse confronto do país consigo mesmo.

Como você vê o Bom Senso?

Tem jogo terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo. O jogador é consumido nesse processo, e a gente tem visto aqueles que passam rapidamente da grande fase para a crise física ou psicológica. Kaká, Ronaldo, Ronaldo Gaúcho... O próprio Messi agora dá sinais disso. Então, que haja um movimento de jogadores para colocar limite a essa estrutura desmedida é um acontecimento positivo.

Leia a íntegra em folha.com/no1372304


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