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Musa de 62

Ex-aeromoça da Panair, que ficou famosa após ser fotografada ao lado da seleção bicampeã, lembra a amizade com Garrincha e Pelé nos anos 60

ELIANE TRINDADE DE SÃO PAULO

O papel amarelado com as assinaturas dos campeões de 1958, na Suécia, e de 1962, no Chile, e as fotos tiradas 52 anos atrás na semana em que o Brasil ergueu a taça de bicampeão mundial são algumas das relíquias guardadas pela gaúcha Ivone Preussler.

Foi nas asas da Panair que ela colheu os autógrafos e chamou a atenção de craques como Pelé e Garrincha.

Aeromoça, ela era uma das comissárias do voo que trouxe de volta, do Chile, a seleção brasileira, em 1962.

"João Havelange, que era o presidente da CBD [Confederação Brasileira de Desportos], só viajava pela Panair e pediu que a mesma tripulação que havia levado a equipe voltasse para buscar os campeões", conta Ivone, aos 73 anos, puxando pela memória ("que está um lixo", reclama), para em seguida contar detalhes inesquecíveis.

Havelange cumpriu a promessa de que se o Brasil erguesse a taça a tripulação do DC-8 seria convidada especial das comemorações. E, assim, os comandantes e as comissárias acompanharam os jogadores ao Palácio do Planalto.

Foram recebidos pelo presidente João Goulart. "O Pelé estava machucado e não queria descer. Eu praticamente o obriguei. Ofereci até meu casaco para ele sair do avião."

GARRINCHA

A loura de olhos verdes, 1,68 m e 56 kg, que ficara em terceiro lugar no concurso Miss Brasília em 1959, foi fotografada com os ídolos no momento histórico.

A imagem da bela aeromoça ao lado dos jogadores ganharia os jornais do Brasil e do mundo e a elevaria à condição instantânea de uma das musas da conquista. A outra era Elza Soares, a quem Garrincha dedicou o título.

Ivone ficou amiga de Garrincha, que chegou a convidá-la para ser madrinha de um dos filhos. Ela não foi batizar o garoto em razão de compromissos fora do país.

"Sempre que iam jogar na Europa, os jogadores viajavam pela companhia. Eu dava sorte e muitas vezes os servia. Eu adorava futebol e brincava muito com todos."

Pelé não fez uso de sua fama de sedutor com a gaúcha de Caxias do Sul, então com 21 anos. "Todos sempre foram muito respeitosos", diz Ivone. "E havia jogadores lindos, como o capitão Bellini."

VOO COM BARDOT

Antes de se casar com o economista Miguel Alves Dias, Ivone foi noiva "do maior playboy do Brasil", Jorginho Guinle. "Ficamos juntos três anos", ela conta. No Rio, estava sempre no Copacabana Palace, que pertencia aos Guinle.

Fazia rotas internacionais e trabalhou no voo que trouxe Brigitte Bardot ao Brasil, em 1964. Ivone se lembra da atriz francesa. "Era lindíssima. Hoje, está muito mudada."

Ivone também era reconhecida pela beleza superlativa. Filha de descentes de alemães e austríacos, começou a escrever seu destino na Panair quando mandou uma carta para a companhia, aos 17.

"Quando era adolescente, vi um atlas e fiquei louca para conhecer o mundo. Meu pai disse que não tínhamos dinheiro. Vi um anúncio e mandei a cartinha e um retrato."

A resposta foi que voltasse a escrever quando completasse 18. Para sua surpresa, junto com o aniversário chegou um telegrama. "Eles me davam os parabéns e me instruíam que fosse a Porto Alegre na sede da empresa."

ELEGÂNCIA

A cinderela dos ares tomou um vestido emprestado de uma amiga e pegou um trem rumo à capital. "Como falava alemão, fui aceita imediatamente. Cinco dias depois, me mandaram para o Rio."

O curso preparatório durou três meses. "Éramos treinadas pela companhia, que nos ensinava como falar e servir com elegância. Naquela época, só gente com muito dinheiro viajava de avião."

FICHA NO DOPS

Três anos após a Copa do Chile, ela descobriu "que as coisas mudam e que tudo é pequeno nas asas da Panair", como diz um dos trechos de "Conversando no Bar" (Fernando Brant/Milton Nascimento).

Após sete anos dedicados à companhia, Ivone, assim como o país, foi surpreendida com o decreto que, em 10 de fevereiro de 1965, encerrava as operações da Panair.

O episódio nebuloso ceifou o emprego de Ivone e representou o fim de sua carreira na aviação. "Eu era do sindicato dos aeroviários e fui fichada no Dops", conta.

A ficha de subversiva --por ter protestado contra o decreto-- fechou-lhe portas.

Ex-funcionários perseguidos foram contratados pelo governo de Carlos Lacerda. Ivone foi parar na Secretaria de Saúde Pública. Virou uma espécie de assistente social de pacientes com hanseníase.

Aposentada, Ivone mora hoje em Salvador. "Quando a Panair fechou, eles me deram de presente um álbum com minhas fotos e recortes de jornais. Infelizmente, muita coisa se perdeu ou foi rasgada pelos meus netos."

Os autógrafos dos campeões foram preservados. "É uma peça de museu", diz ela, que só abriria mão da relíquia para um colecionador que saiba o valor das 34 assinaturas.


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