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Só sobrou a fé

Lanterna, Portuguesa parece condenada à Série C em 2015; conselheiros falam em fechar o futebol do clube que, não fosse pelo caso Héverton, ainda estaria na elite

ALEX SABINO DE SÃO PAULO

São 20h50 de terça-feira (7), mas parece madrugada na rua Azurita. O silêncio só é quebrado pela conversa de três policiais ao lado da viatura, faróis acessos para reduzir a escuridão.

A não ser por oito vascaínos bebendo cerveja, não há referência a futebol ao lado do Canindé. É onde, uma hora depois, a Portuguesa vai entrar em campo pelo Brasileiro da Série B.

Anita Alves do Nascimento, 62, é dona de um bar na Azurita desde o tempo em que era casada com um português torcedor da Lusa. "A Portuguesa quer me matar de fome. Tem gente que desistiu. O moço do espetinho nem veio hoje", diz. Até aquela hora, ela tinha vendido duas cervejas.

O garçom do restaurante Galinhada do Bahia, mãos nos bolsos, apenas observa.

"Clima de velório, né? Nem parece que vai ter jogo", observa o auxiliar administrativo Gustavo Moreira Barbosa, 32, antes de soltar palavrão amaldiçoando a CBF.

Do outro lado do muro, dentro do Canindé, o cenário é o mesmo. A Portuguesa foi abandonada à própria sorte.

A média de público em casa é de 1.125 pessoas na Série B. Para atrair gente, o preço do ingresso em algumas partidas foi reduzido para R$ 10. Sem sucesso.

Contra o Vasco, a promoção não vale. A arquibancada custa R$ 40, com a diretoria de olho no dinheiro da torcida carioca. Foi o melhor público que o Canindé viu na Série B: 3.062 pagantes. Mais de 2.000 vascaínos.

"Para nós, que estamos aqui sempre, poderia ser mais barato, não é?", se queixa o comerciante Carlos Manuel Nascimento, 43, o Carlão.

Não que ele precise se preocupar em pagar. Os Leões da Fabulosa, a única torcida organizada da Portuguesa, recebem cota de ingressos. Assim como os departamentos de futebol feminino e categorias de base.

Sem os cartões verdes com o escudo do clube escrito "vale ingresso", o estádio ficaria ainda mais deserto.

A sede da organizada é cedida pela Lusa na via Pascoal Ranieri, uma rua sem saída, como parece ser a situação do próprio clube que ruma a passos largos para a Série C.

Lanterna, está a 12 pontos de sair da zona de rebaixamento. Restam nove rodadas.

"Acho que vai reagir", opina Wagner Luis Silva, 50, o Pelota. Orgulhoso, aponta para o filho, o Pelotinha, um dos adolescentes que formam a bateria da torcida que entraria no Canindé logo depois.

A declaração de otimismo causa reações de raiva e divertimento nos amigos. Pelota descarta as opiniões contrárias. "O que sobra para nós se não for a fé?"

Todos se calam.

Há menos de um ano, não era preciso falar em fé. A Portuguesa havia terminado a Série A em 11º, colocação honrosa para quem se mantinha na elite com orçamento inferior aos rivais.

A escalação ilegal de Héverton levou à perda de quatro pontos e ao rebaixamento. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), responsável pela punição, é sigla amaldiçoada no Canindé.

A Lusa começou espiral de queda que faz a torcida questionar o futuro.

A equipe já teve cinco técnicos neste ano. Guto Ferreira, Argel Fucks, Marcelo Veiga e Silas passaram antes de Vágner Benazzi chegar. Para evitar a queda, diretores prometeram a ele prêmio de R$ 1 milhão. Pela situação atual, poderiam ter prometido R$ 1 bilhão. Daria na mesma.

UM DOM

No bar dentro da sede dos Leões da Fabulosa, o assunto poderia ser a crise financeira. A indigência técnica do elenco. As arquibancadas desertas nos jogos. O abandono da sede social. A diretoria...

Entre uma cerveja e outra e com a parede forrada de pôsteres do que eles mesmos chamam de "tempos de glórias", as 20 e poucas pessoas jogam conversa fora. Fazem brincadeiras de amigos que se encontram uma vez a cada 15 dias com o pretexto de ver uma partida de futebol.

Carlão aponta para a imagem de Dener na parede, o menino que sintetizou, nos 23 anos em que viveu, tudo o que representa a Lusa. Potencial desperdiçado, lampejos de alegria, falta de consistência... Ele morreu em 1994, vítima de acidente de carro.

"O Dener me deu uma camisa da Portuguesa. Fui ao enterro dele vestido com ela", diz Carlão, a voz embargada.

No curto caminho para o Canindé, eles vão caminhando, rindo e se divertindo. Sabem que, em poucos minutos, a alegria vai dar lugar à raiva. Um senso de frustração, injustiça e de sentimento do que poderia ter sido.

Se o argentino Javier Castrilli não tivesse marcado dois pênaltis para o Corinthians na semifinal do Paulista de 1998. Se o chute de Aílton, do Grêmio, fosse para fora na decisão do Brasileiro de 1996. Se Héverton não tivesse sido escalado. Se a Portuguesa ainda estivesse na Série A...

"Fácil é torcer pelo Corinthians. Paixão é torcer pela Portuguesa. Não ganha nada e vive uma crise atrás da outra. Fiéis somos nós", diz o gerente de vendas Marcelo Vieira Cabral, 38, presidente dos Leões da Fabulosa.

Como todos esperavam, a arquibancada está vazia. Torcedores xingam a Rede Globo, os rivais, a arbitragem, os próprios jogadores da Portuguesa e Benazzi. Não necessariamente nessa ordem.

Os 40 integrantes da organizada começam a bater bumbo. "Eu sou da Lusa de coração, eu sou do time que vai ser o campeão." Se pensam na ironia disso, não está claro.

A crise é tão séria que conselheiros falam nos bastidores que o futebol do clube pode fechar em 2015.

Em 90 min, os donos da casa não criam nenhuma chance de gol. Sem se esforçar, o Vasco vence por 1 a 0 --neste sábado (11), a Portuguesa perdeu de novo: 3 a 1 para o América-MG, em Belo Horizonte.

"Se acabar, pode ter certeza que no último dia estarei aqui. E outros também estarão", desabafa Cabral.

Na saída do estádio, dona Anita está na mesma cadeira de antes, olhando o pequeno público passar por ela.

"Como foi, dona Anita?"

"Ruim. A Portuguesa quer matar todo mundo de fome."

Em 2015, a realidade deverá ser a Série C. Será o mergulho no desconhecido mesmo para um time acostumado a problemas como a Lusa.

"Fé, meu amigo. O jeito é ter fé", insiste Pelota. "No fim de tudo, torcer pela Portuguesa é um dom".


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