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Um louco do bando

ANTONIO PRATA

Ceruraro chip?

O objetivo declarado do protagonista nunca é sua real motivação, mas isso ele só descobre no final

Minha vida no Japão consiste em acordar cedo, tomar café, sair do hotel e lançar-me numa busca inglória por um chip pré-pago para celular. (Nas horas vagas, escrevo crônicas sobre o Mundial de Clubes da Fifa).

Ao me emprestar o aparelho, aí no Brasil, o pessoal do jornal garantiu que achar o tal "cartão SIM" era facílimo. Noventa e seis horas depois, contudo, tendo ido a mais de 20 lojas e seguido as dicas de dezenas de vendedores extremamente simpáticos e metafisicamente incompreensíveis, começo a ter minhas dúvidas -mas não desisto.

Vai que a crônica não chega? Vai que precisam me pedir para fazer cortes ou mudanças? Vai que a Yakuza, incomodada com algo que escrevi, lançou contra mim uma nipo-fatwa e neste momento, enquanto digito confortavelmente num vagão do Shinkansen, o trem-bala, a 300 km/h entre Nagoya e Yokohama, ninjas tatuados rastejam pelo teto do vagão, prontos para entrar pelas janelas e fazer sashimi do meu cérebro? É sempre bom estar comunicável.

Pode parecer que estou reclamando. Muito pelo contrário. O filósofo Walter Benjamin disse que a melhor maneira de conhecer uma cidade é perder-se por ela. Errado: é procurando um chip para celular. Em minhas peregrinações, tornei-me um expert no metrô de Nagoya, descobri bairros e arrabaldes incríveis, travei amizade com integrantes da Fiel japonesa e fui convidado para o churrasco pré-jogo -ao qual não pude ir, obviamente, porque estava engajado em minha saga telefônica.

A esperança de que algum dia meu celular funcionará diminui a cada dia, mas sei que minha busca não será em vão. Nenhuma busca o é. Na semana anterior à viagem, revi "Encontros e Desencontros", da Sophia Coppola.

É um filme muito bonito, mas seria ainda mais legal se os personagens tivessem algum mínimo objetivo. Aquilo que Hitchcock chamava de Macguffin: algo que o protagonista persegue e põe a história em movimento. Pegar o falcão maltês, escrever o roteiro, em 8 ½, descobrir quem matou Hollis Muwray, em Chinatown. Estivessem Scarlett Johansson e Bill Murray atrás de chips para seus celulares e o filme seria mais engraçado e melancólico.

Ontem, no terceiro subsolo de uma loja de oito andares, pensei que meu martírio tivesse acabado, mas, quando a vendedora voltou, sorridente, o que trazia era uma capinha de iPhone, da Hello Kitty.

Senti-me frustrado e só, tive vontade de chorar ou matar, até compreender que havia encontrado algo mais importante do que o chip: o tema da crônica.

O objetivo declarado do protagonista nunca é sua real motivação, mas isso ele só descobre no final, depois de conquistar ou não o que pensava querer; diante, por exemplo, de uma capinha da Hello Kitty.


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