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Bienal árabe mostra arte 'pós-ocidental'

Exposição nos Emirados Árabes Unidos convoca artistas de países emergentes para inverter relação com o centro

Seleção da japonesa Yuko Hasegawa focou nomes do Brasil, da Índia e países da África, Oriente Médio e Ásia

SILAS MARTÍ ENVIADO ESPECIAL A CHARJAH

Mascalat é um lugar que aparece só entre os séculos 16 e 19 nos mapas do golfo Pérsico, um ponto entre os atuais emirados de Charjah e Abu Dhabi. Também pode ser alusão às palavras para fortaleza ou agulha em árabe.

Dessa incerteza, a artista brasileira Tamar Guimarães e o dinamarquês Kasper Akhoj criaram um filme em que uma mulher visita a suposta cidade e declama poemas às cabras que pastam ali no meio de pedras e arbustos.

Uma das obras na Bienal de Charjah, a maior mostra de arte contemporânea no Oriente Médio em cartaz até maio, o filme sintetiza a desorientação da exposição num terreno que tenta fundar como arena "pós-ocidental", uma nova geografia da arte que inverte as relações de poder com os velhos centros.

Nesta 11ª Bienal, o tema é a nova cartografia cultural ancorada num arremedo vago e datado das teorias pós-coloniais e orientalismos.

É como se depois de se arriscar com obras de forte carga política -a edição forjada no calor da Primavera Árabe há dois anos acabou com a censura de uma obra considerada ofensiva ao islã e a demissão do diretor artístico da fundação- a Bienal de Charjah entrasse neutralizada no circuito das grandes mostras.

Está lá uma seleção de obras sem sobressaltos, artistas de renome e certo silêncio quando o assunto é política.

Na terra em que mulheres de burca cruzam o deserto no volante de suas Ferrari, Charjah ainda é o emirado menos espalhafatoso e onde a arte contemporânea parece ser levada mais a sério. Não faltaram obras de fôlego -muitas delas inéditas- para dar lastro à mostra, mas o discurso pesou e confundiu.

"Não acredito nessa perspectiva pós-ocidental", diz Monica Narula, do grupo indiano Raqs Media Collective, que participa da mostra. "Os mapas dessa região são inexatos porque ninguém vinha para cá. Olhar para esse presente com base no passado, com olhos ocidentais, torna o passado inescapável."

LOUNGE TROPICAL

"É difícil entender esse lugar", diz Ernesto Neto, que criou uma espécie de lounge tropical num dos pátios desérticos da mostra. "Mas há uma nova cartografia, a gente tem que aprender com os asiáticos, sair dos Estados Unidos. A gente é índio, é negro, é bobagem achar que somos ocidentais no Brasil."

"Tudo está conectado de uma forma orgânica", diz Yuko Hasegawa, a curadora japonesa à frente desta edição da bienal. "Pensei numa mostra como um grande mapa e evitei peças em que mensagens agressivas demais ofuscassem a própria obra."

De fato, prevalece a abstração. Uma obra do turco Cevdet Erek espalha o som de palmas por um pátio vazio. Textos de críticos de arte traduzidos para o urdu viram um mantra exótico e distorcido na voz de músicos convocados pelo egípcio Wael Shawky. Outro pátio é coberto de vapor por uma obra do japonês Shiro Takatani.

Enquanto isso, uma ala inteira do Museu de Arte de Charjah exibe caligrafias orientais, do árabe ao japonês, traços que se confundem com pinturas abstratas mas não deixam de ser poesia.

"Uso poemas japoneses, franceses, árabes", diz o calígrafo egípcio Hassan Massoudy. "Tento construir com essas palavras coisas imaginadas, como se fizesse uma escultura só com palavras."

No filme de Guimarães e Akhoj, a mulher encerra seu discurso dizendo estar impressionada ao contemplar o lugar aonde chegou. Mas conclui confessando não saber para onde ir dali em diante -frase que se aplica mais do que nunca à Bienal de Charjah no mundo pós-ocidental.

O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da Bienal de Charjah.


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