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Regime fechado, obra aberta

Impedido de deixar o Irã, autor só viu montagem de sua peça após texto ser encenado em mais de dez países; atores descobrem o que farão apenas quando sobem ao palco

GUSTAVO FIORATTI DE SÃO PAULO

Escrita em 2010 e apresentada pela primeira vez em 2011, em Toronto, no Canadá, a peça "White Rabbit, Red Rabbit" se tornou um fenômeno internacional.

Foi montada, entre outros países, na Inglaterra, na Escócia, no Egito e no Brasil. Enquanto isso, no entanto, seu autor, o iraniano Nassim Soleimanpour, 32, não pôde ver o resultado dos trabalhos.

Até fevereiro deste ano, ele estava impedido de deixar Teerã, onde vive, porque não havia se apresentado para o alistamento militar.

Em retaliação, o governo iraniano lhe negava o passaporte. A situação mudou no ano passado, quando recebeu o diagnóstico de um problema em seu olho esquerdo.

Incapacitado de exercer atividades militares, ele então se apresentou ao Exército --e foi liberado.

Tão logo pegou o passaporte, o autor marcou a primeira viagem. Foi assistir à montagem de seu texto em Brisbane, na Austrália.

Sua próxima parada pode ser São Paulo. Uma produtora paulista comprou os direitos de adaptação, e a nova montagem tem estreia programada para 23 de maio, no Sesc Vila Mariana. O convite para que ele venha será feito nos próximos dias.

Esta será a segunda encenação da peça no país. A primeira foi em julho do ano passado, no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (SP).

SOBRE COELHOS

Em "White Rabbit, Red Rabbit", Soleimanpour não propõe uma representação narrativa exatamente, ou ao menos não nos modelos que o teatro, o cinema ou a literatura a conhecem.

A peça costura uma série de experiências a serem compartilhadas entre palco e plateia, a partir de um texto que ordena tarefas, a serem (ou não) executadas por todos que estão presentes.

A sensação de estranhamento se instala logo no início. Já no palco, um ator recebe um envelope lacrado. Ele deve abrir o envelope e fazer a leitura. É uma condição que o ator nunca tenha tido contato com o texto da peça e não saiba do que ela trata --por isso, cada apresentação tem um novo intérprete.

Essa estrutura faz com que a peça prescinda de diretor.

"Foi a coisa mais doida que eu já fiz na minha vida", diz o ator paraibano Thadelly Lima, que passou pela experiência em Rio Preto.

"Quando eu vi o teatro lotado, e eu ali na frente de todo mundo com o texto na mão, sem saber do que se tratava, pensei: Meu Deus, eu podia estar roubando, eu podia estar matando'", brinca. Por ora, sem mais "spoilers".

Desde a primeira apresentação de "White Rabbit, Red Rabbit", Soleimanpour pede para que uma poltrona na primeira fila do teatro fique vazia. Trata-se de um lugar reservado para ele próprio, simbolicamente ao menos, pois o lugar, até bem pouco tempo atrás, permaneceria vazio.

Em fevereiro, Nassim Soleimanpour ocupou de fato a cadeira, em Brisbane, pela primeira vez.

"Eu vi quatro apresentações e, na primeira noite, tive um surto", contou em entrevista à Folha.

Na segunda noite, interrompeu a apresentação e subiu ao palco. "Achei que era hora de o autor do passado encontrar o do presente e fiz um discurso sobre isso. "A explicação se refere a um dos fundamentos de seu texto.

No teatro, salvo improvisos, há sempre o encontro entre o que foi escrito tempos atrás e o que está sendo apresentado naquele exato momento. "Comecei a tremer em cima do palco e então disse à plateia: Olhem, isso é como o passado faz o futuro'."

Esse é um dos aspectos da peça. O outro recai sobre obediência, subserviência e ventriloquia. Até que ponto plateia e ator podem obedecer ao que o texto pede? Há riscos.

TEATRO NO IRÃ

Juntos, ambos os pontos remetem, obviamente, à condição de um autor que até hoje vive sob um governo autoritário.

Muita gente falou sobre esse suposto aspecto da obra em jornais e em debates. Mas Soleimanpour rejeita uma associação direta: "Odeio quando acham que escrevi sobre o Irã contemporâneo", diz. Para ele, subserviência não é um problema restrito ao país (muito embora a peça ainda não tenha sido encenada lá).

Ao ser questionado sobre o caso de Jafar Panahi, cineasta condenado a seis anos de prisão domiciliar por ter feito propaganda contra o governo de seu país, o autor se esquiva. "Melhor não falar."

No Irã, peças de teatro precisam ser submetidas a um órgão censor do governo.

Quem falou à Folha sobre o assunto foi outro autor de teatro iraniano, Amir Reza Koohestani, que também já teve uma peça sua encenada no festival de Rio Preto.

"Em primeiro lugar, eles leem o texto", diz, sobre os censores. "Então, eles dão uma permissão para que sejam feitos os ensaios da peça", continua. "Depois dos ensaios, eles assistem à montagem e dão a permissão para que ela entre em cartaz".

Em Teerã, os ingressos custam entre US$ 2 e US$ 10 (de R$ 4 a R$ 20, aproximadamente). Há cerca de 20 teatros na cidade, conta Koohestani, e eles vivem lotados.

"Na verdade", atesta, "a única coisa que nunca me preocupa é chamar público para os meus espetáculos."


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