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Crítica - Filosofia

Em prosa fluida, obra mescla história política e interpretação

"Um Livro Forjado no Inferno" apresenta trabalho de Espinosa ao leitor

VLADIMIR SAFATLE COLUNISTA DA FOLHA

A força de um filósofo se mede por sua capacidade em se colocar como contemporâneo. Neste sentido, há de se admirar a força de Espinosa.

Visto nos séculos 18 e 19 largamente como um panteísta irracionalista e místico, a ponto do adjetivo "espinosista" quando aplicado a um filósofo equivaler a uma desqualificação, o holandês transformou-se, a partir da segunda metade do século 20, em referência maior do pensamento político contemporâneo.

Graças a leitores como Deleuze e Althusser, noções espinosistas ganharam importância no debate político e na crítica aos limites da democracia liberal. Dificilmente entenderemos porque usamos conceitos como, por exemplo, imanência, multidão, afetos como fator político, sem passarmos pela reatualização de Espinosa.

Neste sentido, é interessante perceber como a natureza política do pensamento do filósofo holandês é compreendida em uma tradição distante da chamada "filosofia continental". Daí a curiosidade do livro de Steven Nadler --"Um Livro Forjado no Inferno: O Tratado Escandaloso de Espinosa e o Nascimento da Era Secular", lançamento do Três Estrelas, selo editorial da Folha.

Escrito em prosa fluida como um misto entre biografia, história política europeia e interpretação do "Tratado Teológico-Político", livro maior do pensamento político moderno, o trabalho de Nadler visa, principalmente, apresentar Espinosa ao leitor norte-americano.

O que explica porque seu foco principal é compreender o "Tratado" espinosista como "uma extensa argumentação em prol da liberdade do pensamento e expressão no Estado moderno, bem como uma defesa da separação da filosofia e da religião como um meio de garantir tal liberdade".

No entanto, há de se perguntar se esta visão de um Espinosa defensor dos valores liberais e laicos não acaba por perder algumas das dimensões mais inovadoras do seu "Tratado".

Lembremos como, a partir do desvelamento da gênese do Antigo Testamento, em que se acompanha o processo de produção de um livro que se quer a palavra divina, o "Tratado" de Espinosa encontra as bases para um modelo de análise dos mecanismos de servidão e ilusão que sedimentam os vínculos sociais. Análise baseada na maneira com que afetos, como a esperança e o medo, são socialmente mobilizados pelas crenças religiosas.

Neste sentido, sua compreensão dos vínculos orgânicos entre teologia e política, tão presente no sintagma "teológico-político", visa não apenas defender um Estado laico, mas mostrar o quanto construções teológicas se perpetuam e se perpetuarão, de forma insidiosa, no interior dos vínculos políticos.

Longe de um precursor da democracia liberal, Espinosa parece muito mais perto de um crítico da servidão presente em todo Estado dependente da colonização afetiva de seus cidadãos.


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