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Crítica - Memória

Joyce Carol Oates oscila entre a autoajuda e a boa literatura

Autora americana retrata em livro o trauma gerado pela morte do marido

NOEMI JAFFE ESPECIAL PARA A FOLHA

O "Guardian", o "New York Times", o "Independent", o "Le Figaro", jornais cuja opinião crítica é aval para qualquer obra literária, desmancham-se em elogios para "A História de uma Viúva", de Joyce Carol Oates.

A escritora não é tão conhecida por aqui, mas é um fenômeno de produção (mais de 120 obras), público, crítica e premiações nos EUA.

É um desafio, portanto, dada a autoridade desses periódicos, ousar discordar de opiniões favoráveis tão generalizadas. Mas é o caso aqui e não se pode abrir mão dele.

Em 2008, o marido de Oates, Raymond Smith, editor da revista "Ontario Review", com quem a autora estava casada havia 47 anos, é levado ao hospital e diagnosticado com pneumonia.

Uma doença aparentemente banal, mas à qual, em menos de duas semanas e após um período de evidente melhora, Raymond não sobrevive.

Oates recebe um telefonema de madrugada com a pergunta sobre manter ou não o marido respirando sob aparelhos, sai correndo desesperada e o encontra já morto.

O livro é um relato que vai do momento da descoberta da doença, passando pelas semanas no hospital e, principalmente, o período posterior, em que a autora mergulha em depressão profunda, chegando a querer o suicídio.

Descreve em pormenores sua rotina de degradação psíquica até o momento de uma possível retomada da vida.

Ela passa a se referir a si mesma como a viúva, uma espécie de entidade abstrata, e intercala a narrativa autobiográfica com trechos em itálico, ao pé da página, em que há mais espaço para a ficcionalização, o fluxo de consciência e a especulação.

A questão central aqui é: para além do evidente valor do livro como lição de vida e apoio --e aqui não vai ironia alguma-- para viúvas, em que medida essa história pode ser lida como literatura? "Meu marido morreu. Minha vida desabou."

Ele poderia ter morrido antes --"seja grata!". "Atenção, ternura. Paciência." É realmente disso que um leitor precisa para seguir adiante e dar conta das 450 páginas de um livro que oscila entre a autoajuda, a honestidade e, às vezes, também boa literatura.

A paciência não deixa de compensar: o recurso à terceira pessoa, os trechos em itálico, a impiedade com que a autora explora o próprio sofrimento, sem concessões aos apelos dos alunos, amigos e da "vida" que a quer de volta, tornam a leitura mais complexa e inesperada do que aquele "seja grata" anunciava.

A autocrítica que se revela numa questão como "existe alguma perspectiva sob a qual o luto da viúva seja mera vaidade; narcisismo; a pretensão de que a própria perda é tão especial, tão extraordinária, que nunca houve perda igual?" também dialetiza o tom de autoajuda ou de possível pieguice.

Diante da morte de quem se ama, talvez só o silêncio faça sentido. Além dele, é difícil não esbarrar no sentimentalismo. Joyce Carol Oates tem o mérito da honestidade e isso não é tão pouco.


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