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Esculturas e fotografias de Lais Myrrha são ode à instabilidade

Obras da artista mineira que abre mostra na Caixa Cultural exploram ruínas e estruturas efêmeras

'Tem a ver com a ideia de o Brasil ser sempre o país do futuro. Essa exposição fala muito da atualidade', diz artista

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Quando foram demolir uma escola em Belo Horizonte, Lais Myrrha fotografou as marcas ortogonais deixadas nas paredes pelas prateleiras arrancadas da biblioteca.

"Ficaram essas sombras no lugar. É o rastro, o que sobra das coisas", diz a artista mineira radicada em São Paulo.

"Tenho interesse por figuras do conhecimento, sempre crio uma instabilidade nesses sistemas, nas estruturas que formatam a conduta."

São imagens de linhas retas definindo a silhueta de volumes do mesmo tamanho ao longo de muros infinitos, uma quase abstração cinza.

De fato, Myrrha dispensa a cor. Suas obras privilegiam a estrutura, o esqueleto dos assuntos da forma mais crua. Na mostra que abre hoje na Caixa Cultural, a artista remonta alguns trabalhos nessa linha, uma síntese de suas investigações sobre a ruína, ou rastros, pegadas de ideias.

É o que acontece, por exemplo, num mapa roubado e copiado de um atlas, que perde a cor e a definição das fronteiras na reprodução da artista. Ou na subversão da ordem estelar noutro mapa.

Numa das instalações da mostra, Myrrha alterou cartografias de constelações ao traçar linhas ligando cada estrela menor à principal, um mosaico de riscos mais e menos densos ao redor de cada ponto do mapa, como se desenhasse centros nevrálgicos num firmamento etéreo.

Myrrha parece desencarnar aqui a aura dos astros para expor uma lógica interna que pode ou não ser real, da mesma forma que faz com o tempo numa ampulheta invertida, em que os grãos que denotam a passagem das horas flutuam em vez de cair.

"É um tempo que corre para cima, que está sempre no futuro", diz Myrrha. "Tem a ver com a ideia de o Brasil ser sempre o país do futuro, algo que nunca sai do devir."

Nesse ponto, a obra que abre a mostra aponta na mesma direção. São páginas da Constituição reproduzidas em tamanho gigante, mas o texto está desfocado, deixando nítida uma única palavra em cada folha --exceção.

Filha de um gerente de obras, Myrrha cresceu ouvindo histórias de construção e ruínas que vêm no encalço. Numa alusão à coluna infinta do escultor romeno Constantin Brancusi, uma série de formas iguais que se repetem na vertical, Myrrha retratou num vídeo uma pilha de sacos de cimento que se acumulam pesados rumo ao céu.

É tão inútil e incerto quanto o pódio que construiu numa das salas da mostra, uma estrutura que nunca poderá ostentar um vencedor porque é feita de pó de cimento e desaba com o próprio peso, espécie de troféu à ausência. "É um pódio em ruína", diz Myrrha. "Não tem liga. É só o pó."


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