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Crítica - Romance
Pseudônimo de J. K. Rowling atém-se ao eficaz e ao marketing
'O Chamado de Cuco', assinado como autoria de Robert Galbraith, não transcende as normas do gênero policial
TALVEZ A ADOÇÃO DO PSEUDÔNIMO TENHA SIDO UMA TENTATIVA DE CORRER ALGUM RISCO, JÁ QUE SUA VIDA EDITORIAL ESTÁ ASSEGURADA
NOEMI JAFFE ESPECIAL PARA A FOLHASe o leitor tiver curiosidade de conhecer o autor e procurar informações na orelha de "O Chamado do Cuco", lerá: "Robert Galbraith é pseudônimo de J. K. Rowling".
E, subitamente, o olhar se transfigura: não se trata mais do mesmo livro. O fã incondicional vai ler uma trama policial perfeita, que mantém contínua e crescente a dúvida sobre "quem matou".
Já os mais desconfiados vão encontrar uma narrativa convencional, que em tudo obedece ao cânone consagrado do gênero. Mas há um caminho do meio: o romance incomoda pela convencionalidade mas atiça a curiosidade, chega a blefar com o leitor, além de acrescentar pitadas de crítica à alta sociedade inglesa e à mídia.
O protagonista, Cormoran Strike, atende ao estereótipo do detetive fracassado e desajeitado: recém-divorciado, dorme numa cama de campanha no próprio escritório.
Serviu no Afeganistão, onde perdeu um pé. Está quase indo à falência, quando surge o irmão de uma megamodelo suicida para contratá-lo.
Bristow, um advogado rico e famoso, pensa que a irmã foi assassinada. Strike, que precisa do dinheiro, envolve-se então numa teia bem articulada de fama, preconceito, tabloides, racismo e drogas.
Como em seu romance adulto, "Morte Súbita", também aqui a autora aponta para a atitude pateticamente preconceituosa da burguesia inglesa com relação a negros, estrangeiros e pobres. A fama é opressiva e segregadora. Os telefones são grampeados e todos que se aproximam têm interesses escusos.
Strike, filho de roqueiros famosos, parece imune a esse serpentário. Perseguindo detalhes aparentemente irrelevantes, descobre o que a polícia desistiu de investigar. Há a sugestão de um possível envolvimento de Strike com sua secretária e o drama com a ex-mulher. Mas o romance, embora capture a atenção --e com uma tradução fluente-- não passa da eficiência.
Contém os componentes conhecidos para algumas horas de entretenimento, e a crítica social, nesse caso, parece somente preencher as exigências de alguma densidade maior. A linguagem é idêntica a dos livros tradicionais do gênero, com pequenas doses de Plínio, Boécio e Virgílio.
Talvez a adoção do pseudônimo tenha sido uma tentativa de correr algum risco, já que a essa altura sua vida editorial está assegurada.
Mas, com a revelação de seu nome, tudo soa como estratégia de marketing. Por trás de um romance não mais do que eficaz, os caminhos de J.K. Rowling e de seus leitores são mais interessantes.