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Obra ameaça vila tombada, diz morador

Grupo teme que casas modernistas históricas desabem, afetadas por construção de prédio de escritórios vizinho

Projeto é legal e foi autorizado por órgãos de proteção; empresa diz que tomará cuidado para evitar danos

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

De suas janelas, moradores veem o vaivém dos rolos compressores no terreno de trás. "Quando estavam aplainando, tudo tremia", diz o arquiteto José Domingues, dono do número 48 da rua Berta, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. "Imagina quando começar o bate-estaca."

Ele e o resto dos habitantes dos nove sobrados desenhados e erguidos em 1929 por Gregori Warchavchik, primeiro arquiteto modernista no Brasil, temem que a construção de um prédio comercial de seis andares e três níveis de subsolo no terreno vizinho afetem as casas.

Os moradores marcaram um protesto contra a obra para amanhã perto dali, na Casa Modernista.

As casas não têm fundação e foram erguidas sobre solo instável, com estrutura de areia e argamassa. Daí o medo dos moradores.

O conjunto marcou os primórdios da arquitetura modernista no país e foi por isso tombado pelo Conpresp, órgão municipal de defesa do patrimônio histórico.

Mesmo frágeis, as casas da rua Berta respondem por um episódio de peso na história da arquitetura do país.

Construída dois anos depois que Warchavchik (1896-1972) ergueu a Casa Modernista para ser sua residência, a vila de casinhas geminadas com uma marquise retilínea que perpassa todas elas antecipou avanços da Bauhaus, a escola de arquitetura alemã que pautaria o modernismo mundial nos anos 1930.

São volumes ortogonais, sem ornamentos, com uma organização interna que busca a maximização do conforto. Erguidos pela abastada família Klabin, serviriam como moradias de aluguel para trabalhadores dos arredores.

Num momento em que São Paulo já crescia em ritmo vertiginoso, industrialização a caminho, Warchavchik antecipou a demanda por habitação concentrando em pouca área casas que mantinham padrão elevado de vida com uso consciente do espaço.

"Essa é uma ideia de vanguarda para a história do século 20", analisa José Lira, especialista em Warchavchik e professor da Faculdade de Arquietura e Urbanismo da USP. "A unidade é incompreensível fora do tecido, como uma célula num corpo. Muito mais do que a casa burguesa, é a ideia de moradia coletiva."

Descaracterizadas ao longo de seus quase 90 anos, cinco das casas foram restauradas no começo deste século pelos próprios moradores. Eles agora querem entrar com ação popular no Ministério Público para embargar a obra da incorporadora Eztec.

A obra, entretanto, foi aprovada pela prefeitura e pelos órgãos de defesa do patrimônio histórico.

De acordo com a lei, construções no entorno de imóveis tombados, como as casas da rua Berta, precisam da aprovação do Conpresp para saírem do papel, mas isso é analisado caso a caso, em geral pendendo para o lado das empreiteiras, que podem pagar para construir além dos limites permitidos em cada terreno --prática legal conhecida como outorga onerosa.

HISTERIA COLETIVA

"Esse empreendimento não poderia ser aprovado como foi. Outorga onerosa perto de bens tombados não é uma coisa regular", diz Eliana Alves, advogada que representa os moradores. "Não foi feita uma análise para saber se as casas não podem sofrer um desmoronamento."

Nadia Somekh, presidente do Conpresp, diz que foi bombardeada por telefonemas e chama o protesto dos moradores de "histeria coletiva". Segundo ela, as obras foram aprovadas porque a princípio não violam as leis de preservação do patrimônio.

"Não dá para a gente achar de antemão que tudo vai cair", diz Somekh. "Onde está o laudo que diz que as casas vão desabar? Essa avaliação não é feita. Não temos nenhum elemento para prever que uma obra ao lado de um patrimônio histórico tenha um potencial de dano a ele."

Essa também é a opinião do Condephaat, a entidade estadual de defesa do patrimônio que aprovou as obras.

Embora as casas da rua Berta não sejam tombadas na esfera do Estado, a Casa Modernista, a duas quadras da obra, é protegida, o que poderia levar a restrições a construções grandes no entorno.

Segundo Afonso Luz, diretor do Museu da Cidade, órgão da prefeitura responsável pela Casa Modernista, essa autorização vai no "sentido contrário" da preservação da memória do bairro como uma espécie de laboratório de arquitetura de vanguarda.

"Essas casas são excepcionais e deviam ser levadas mais a sério do que o Conpresp leva", diz José Lira. "Entendo que esteja de acordo com a lei, mas acho um absurdo lavarem as mãos. De que adianta um conjunto de casas de vanguarda perdido numa rua sombreada por essas torres de escritórios?"

Em nota enviada à Folha, a Eztec, incorporadora responsável pela obra, diz que está tomando todas as precauções para evitar danos às construções históricas.

Segundo a empresa, o método construtivo adotado evita a vibração do solo, haverá um reforço das estruturas vizinhas e será respeitado um recuo em relação às casas.


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