Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Meteoritomania

Artistas argentinos transformam sua obsessão por rochas extraterrestres em projeto conceitual que foi da Documenta, na Alemanha, à Bienal do Mercosul

SILAS MARTÍ ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Na primeira vez que viram o Chaco, um meteorito de 37 toneladas que caiu no norte da Argentina, os artistas Guillermo Faivovich e Nicolas Goldberg passaram uma hora acariciando a pedra, meditando em cima dela ou só olhando aquela massa metálica com ar embasbacado.

"Temos certa afinidade com o cosmos", resume Goldberg. "Cada meteorito tem uma história muito particular, e o fato de serem tão antigos faz com que representem muitas eras, ou os distintos momentos em que o homem se confrontou com essas massas extraterrestres."

No caso, essa dupla de artistas argentinos vem se relacionando com as tais massas extraterrestres já há sete anos, desde que foram pela primeira vez de Buenos Aires, onde moram, ao Campo del Cielo, a planície no norte do país alvejada por uma chuva de meteoros há 4.000 anos.

Esse lugar pacato, de vegetação rala, onde os argentinos costumam fazer churrascos nos fins de semana, foi o palco de uma tempestade estelar que deixou a paisagem cravejada de crateras cheias de rochas magnéticas.

Toda essa atração da dupla pelos meteoritos do Campo del Cielo começou quando bateram o olho numa dessas pedras cortada ao meio de forma cirúrgica, em exibição num museu da capital argentina. Quiseram saber onde estava a outra metade da pedra e uma saga se desenrolou até que a encontrassem.

Bill Cassidy, um físico norte-americano tão fissurado pelos meteoritos quanto os artistas argentinos, conta que ele estava lá no dia em que descobriram o Taco, a pedra rachada ao meio. Estava no quintal de um fazendeiro que entortou seu rastelo contra a rocha ao capinar o terreno.

"Esse fazendeiro me levou de trator até lá, e eu ajudei a escavar o meteorito", lembra Cassidy, sobre o episódio dos anos 1960. "Depois, com a ajuda da Marinha argentina, levei o meteorito para os Estados Unidos para que ele pudesse ser estudado melhor."

E lá ele ficou. Faivovich e Goldberg encontraram a parte que faltava do Taco no Smithsonian, em Washington. Negociaram então, com apoio e dinheiro de um museu em Frankfurt, a reunião das duas metades do meteorito numa mostra que fizeram há três anos na cidade alemã.

Quem entrava naquela sala vazia, só com as duas pedras lado a lado sem nenhuma explicação, ficava sem entender toda a novela por trás do Campo del Cielo.

Mas o mundo da arte sentiu carinho instantâneo pela dupla louca por meteoritos --dois anos depois eles seriam escalados para a Documenta, em Kassel, na Alemanha.

Nessa que é uma das maiores mostras de arte contemporânea do mundo, Faivovich e Goldberg mobilizaram governos inteiros na tentativa de realizar seu projeto mais ambicioso até então, que era transportar o Chaco, aquele meteorito de 37 toneladas, do Campo del Cielo até Kassel.

Uma empresa de navios cargueiros se dispôs a trazer a pedra de graça, enquanto o governo da região do Chaco aprovou às pressas uma lei autorizando a saída do meteorito. Em Kassel, a prefeitura também concordara em ceder um espaço de sua praça central para exibir a pedra.

Só não imaginavam que os índios da região do Chaco fossem se opor à ideia. Antropólogos entraram na briga, acusando a Alemanha de querer roubar uma pedra sagrada para a população local, e sua remoção foi cancelada.

"Eles diziam que era como arrancar a Virgem de uma igreja", lembra Carolyn Christov-Bakargiev, curadora da Documenta. "Muitos museus no mundo são coleções de santas roubadas. Não me oponho a isso, mas entendi os protestos. É uma briga que tem a ver com nossa ideia de falar de algo traumático."

GIOCONDA

Outro episódio traumático, para além do choque de um asteroide contra a atmosfera terrestre, estava por trás da obra que Faivovich e Goldberg mostraram na última Bienal do Mercosul, encerrada há pouco em Porto Alegre.

Lá estava a pintura de uma massa escura e longilínea, que parecia uma nuvem, mas era a cópia do único registro visual de que se tem notícia do Mesón de Fierro, um meteorito perdido há 200 anos.

Exploradores espanhóis achavam que a pedra fosse o cume de uma montanha de ferro subterrânea, e na tentativa de encontrar a mina acabaram soterrando a pedra.

Evocando o mistério, como se procurassem um desaparecido, Faivovich e Goldberg espalharam cartazes do Campo del Cielo pela capital gaúcha. "Esse foi o mais lendário dos meteoritos da região", diz Faivovich. "Por toda sua história, ele pode ter o peso cultural de uma Gioconda."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página