Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

A restauração de Anchieta

Padre, cuja canonização é esperada para este ano, tem obra dramática reavaliada por seu humor popular e pela qualidade literária

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

Treze anos depois de fundar São Paulo, José de Anchieta encenou a primeira peça da cidade, "Pregação Universal", em 1567. Foi sugestão de Manuel da Nóbrega, outro jesuíta dado ao teatro, que "virou ator e realizava até as danças pagãs dos nativos", segundo o pesquisador teatral Ruggero Jacobbi.

O título se referia às três línguas usadas por Anchieta no texto, tupi, português e espanhol. Naquela primeira e nas 11 peças posteriores, seu objetivo era catequético, evangelizar os índios. Quatro séculos e meio depois, em julho, no Rio, foi o que destacou o papa Francisco, outro jesuíta: "Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Anchieta partiu em missão quando tinha 19 anos".

No final de dezembro, Francisco ligou para o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, d. Raymundo Damasceno, e disse ter "acolhido positivamente" o pedido para canonizar Anchieta. "Esperamos que ocorra, sem dúvida nenhuma, no decorrer do ano de 2014", disse d. Damasceno depois, à rádio Vaticano.

É ano de festa para os jesuítas. Celebram os 200 anos da restauração da Companhia de Jesus com seminário em maio, em São Paulo, com temas como o legado artístico da ordem no país. Em julho, chega a exposição "Jesuítas: Paixão e Glória", no Conjunto Nacional, em SP.

ARISTÓFANES

Saudada pela evangelização, a obra de Anchieta aos poucos é reconhecida por outras qualidades. Em sua edição das peças pelo Museu Paulista (1954), Maria de Lourdes Paula Martins ainda via um autor "muito modesto, sem pretensões".

Já mais recentemente, na edição de "Auto de São Lourenço" e "Na Aldeia de Guaraparim" pela coleção Dramaturgos do Brasil (Martins Fontes, 2006), o professor da USP Eduardo Navarro apontou "seu grande valor literário". Sua tradução do tupi empolgou o dramaturgo Ariano Suassuna, citando os "versos em que um demônio chamado Tatapitera fala de um jeito que lembra os personagens de Aristófanes".

A passagem, de "Guaraparim", originalmente toda em tupi: "Transtorno o coração das velhas, irritando-as, fazendo-as brigar. Por isso as malditas correm como faíscas de fogo, para ficar atacando as pessoas, insultando-se muito umas às outras".

Ainda que sem tal exagero de reavaliação, outros estudiosos vão pelo mesmo caminho. O professor da USP João Roberto Faria, autor de "Ideias Teatrais" (Perspectiva, 2001), responde que "é uma obra dramática feita com objetivo de catequese, mas com qualidade literária. Toma como modelo a forma do auto religioso da Idade Média, escreve em versos".

O professor da Unicamp Alcir Pécora diz que "é uma obra interessante, como forma de representação dramática, mas ela não deve ser isolada do aspecto pastoral". "Separar os aparelhos dramático-poéticos da caracterização evangélica esvazia a obra", afirma.

TEATRO DE REVISTA

O diretor teatral Moacir Chaves, que encenou o "Sermão da Quarta-Feira de Cinzas" de Antônio Vieira, outro jesuíta, leu todas as peças de Anchieta e até dirigiu uma leitura dramática do "Auto de São Lourenço". Mas para ele "não é matéria para ser montada", pois "o procedimento intercultural que acontecia, o domingo que exercia sobre as mentalidades, não é reproduzível" no palco, hoje.

"É como se fosse um teatro datado, como uma comédia de costumes da Geração Trianon, popular demais", diz Chaves, rindo e relacionando Anchieta a comediógrafos populares dos anos 1920.

O dominicano José Augusto Mourão, que foi professor de literatura da Universidade Nova de Lisboa, tem definição semelhante: as peças seriam um "teatro de revista indígena", sem unidade de ação ou tempo, misturando cenas nativas com sermões, com diálogos em português, espanhol, latim e não uma, mas várias versões de tupi.

Nessas revistas, destacam-se as cenas cômicas em tupi, que tanto divertiam os índios.

Um relato de 1585, do jesuíta Fernão Cardim, não se sabe referente a qual peça, descreve o primeiro ator brasileiro: "Nem faltou um Anhangá, quer dizer, um diabo, que saiu do mato: este era o índio Ambrósio Pires. A esta figura fazem os índios muito festa, por causa de seus gatimanhos e trejeitos".


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página