Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Mônica Bergamo

Constância...

...É o que define a consultora de moda Costanza Pascolato, que, aos 75 anos, venceu o câncer duas vezes e diz ter desligado a chave das paixões e do sexo

Os quadros flamengos do século 16 e os tapetes herdados da mãe, dona Gabriella, assim como os móveis robustos, são "restos de várias casas italianas", diz Costanza Pascolato à repórter Eliane Trindade enquanto posa para fotos na sala de seu apartamento em Higienópolis.

A dona da casa repousa as pernas em um apoiador de pés na forma de um porquinho de couro inglês. Herança do avô. Tudo ali é antigo, tem história, mas flertando com a a atualidade, sinalizada pelos livros de arte e moda sobre a mesa de centro.

É como seu guarda-roupa. "Sou craque em usar tudo o que é vintage e bom. E atualizar com uma bobagem, um acessório", diz a autora de "O Essencial - O que Você Precisa Saber para Viver com Mais Estilo" (editora Jaboticaba), a versão atualizada de seu manual de estilo, que acaba de ser relançado.

Unanimidade quando se fala em elegância, Costanza prefere um outro adjetivo para definir o seu estilo clássico: constante. "A consistência na maneira de viver e fazer escolhas", define.

Aos 75 anos, ela prefere viver sozinha. Arquivou as grandes paixões e abdicou do sexo diante da "perda do frescor". A seguir, trechos de uma conversa com a papisa da moda brasileira, para quem luxo é "saúde e tempo".

O CÂNCER

"Tive câncer duas vezes. O Drauzio [Varella, médico e colunista da Folha] me xinga quando digo isso: toda vez que perco alguém que amo, adoeço. O primeiro apareceu após perder meu segundo marido, o Giulio, aos 58 anos. O outro, depois que minha mãe morreu, aos 93, há três anos. Fiz as contas. Passados dois anos e pouco, as calcificações [nas mamas] cresceram."

"Foi muito pior na primeira vez. Só o nome já era um terror. Eu tô falando de câncer 20 anos atrás, quando não se tinha tanto conhecimento. A primeira vez foi monstruosa. Era um fantasma. Quando se entende melhor, não se sofre tanto. Não tem desespero."

"Fiz duas quadrantectomias [cirurgia para retirada de um quadrante da mama]. Numa idade que já tinha desistido da ideia de casar de novo. Mexer no seio é uma coisa fortíssima para a mulher. Mas já não tinha aquele temor de ficar menos interessante para o marido. Disse ao médico que preferia sobreviver do jeito que fosse: Se quiser arrancar tudo, pode'."

"Não sei se o caso da Jolie [Angelina, atriz que retirou as mamas preventivamente] foi exagerado ou não. Ela gosta de ser heroína dentro da própria vida. Acho complicado, ela é jovem, está com aquele moço [Brad Pitt, o marido]. Talvez, para algumas mulheres, possa ser interessante para evitar ter a doença."

AMORES

"Giulio [Cattaneo, italiano] foi o grande amor da minha vida. É nas grandes paixões que você se constrói. Ficamos juntos 21 anos. Ele tinha um defeito congênito no coração, que eu não fazia ideia, e morreu no meu colo. Foi horrível [se emociona]. Penso nele todos os dias. O tempo todo me refiro a ele. É uma presença."

"Depois, eu me apaixonei de novo por um personagem fora do meu mundo, o Nelsinho [Motta, escritor e produtor musical]. Foi muito legal. Sofri pra burro quando decidi que ia embora. Entendi que tinha chegado ao fim. Meu frescor estava acabando antes do dele. A questão era mais física mesmo. Eu não suportava mais o confronto físico, essa decadência minha, sabe? Além de os hormônios também terem ido embora. Ficou o afeto, mas o sexo não rolava de jeito nenhum."

"Não sentia mais paixão por nada. Foi claro pra mim, quando mudou essa chave do sexo. Parece que desligou uma tomada. Vendo filmes, com tudo exposto, eu penso: gente, fiz tudo isso aí [risos]."

"Deus me livre de casar de novo. Gosto de viver sozinha. Sempre tive umas histórias. Agora, eu me apaixono teoricamente. Aquela coisa de salão literário do século 19. É intelectual. Continuo seduzindo e me deixando seduzir, mas não quero nada com ninguém. E tem gente interessada, incrivelmente. Mas fico aflita. Minha prioridade não é essa. Durante a juventude e boa parte da vida, eu me atrapalhei priorizando as paixões.

ESTAR NA MODA

"Não é preciso fazer esforço para estar na moda. Você tem que entender o seu tempo. Saber acompanhar, se interessar. No momento em que você não entende mais o seu tempo, fica cristalizado ali."

"Eu não tenho Facebook, só Instagram. Nasci lá atrás. Então, faço um esforço para colocar alguma foto minha para saberem que o perfil é meu mesmo. As pessoas não têm noção de quanto o exibicionismo pode ser letal. Minha vida é quase pública, não faço grandes segredos, mas detesto mostrar as intimidades. É uma neurose essa coisa a mídia sou eu': vou fotografar minha unha, minha orelha. Acho chato, cafona. Eu não olho."

"Os blogs de moda também são um fenômeno formidável. Aqui e no mundo. As blogueiras são modelos a serem copiados, com as quais as meninas se identificam. Elas resolvem tudo para suas seguidoras. Elas se fotografam e mostram o que vestem, comem, como malham... Montam o look todo. Facilitam."

"Respeito algumas blogueiras. Porque elas representam um movimento. Eu prefiro isso do que copiar personagem de novela. É mais interessante e inteligente. E todas conseguem fazer algum tipo de business."

BRASIL FASHION

"A roupa brasileira é cara e malfeita. O fio é caro, o tecido também. Tem muito imposto. Além do custo, falta técnica. Os americanos fazem melhor. Os italianos, divinamente. E os chineses aprenderam importando os italianos. A nossa cadeia produtiva ainda é muito crua."

"A classe média e média alta vai para Miami comprar. Mas o Brasil é gigantesco. Na fábrica [tecelagem Santaconstancia, de propriedade de sua família], temos sete segmentos, entre eles o da periguete'. É a moda das poderosas. Lógico que entramos nesse nicho. É o que vende."

"Eu até ganhei o disco da Anitta [funkeira], de tanto que estudo ela. Anitta é business. Sempre produzimos stretch [tecido elástico], mas agora as cores são mais exuberantes. As estampas, tridimensionais [risos]. E ainda tem brilho por cima. Uma coisa espantosa, mas tudo bem. Vende tudo."

SER CONSTÂNCIA É...

"Elegância é adequação. Só uma imagem muito consistente e assinada de acordo com o que você vive será capaz de se cristalizar como estilo. Tem a ver com acompanhar um certo tipo de raciocínio o tempo todo. O cabelo pode ser diferente, a idade também. Mas permanece a consistência na maneira de viver e de fazer escolhas. Eu sou constante."

"Dentro do universo da minha idade, eu tô ótima. O meu problema não é envelhecer. Todo mundo diz: Você tá linda'. O que me preocupa é não ter mais energia. Adoro trabalhar. Ficar doente é realmente algo que me alucina. Tenho 400 tipos de doença autoimune, que vou desenvolvendo alegremente. Por isso, me cuido. Obviamente, você não é onipotente e não vai adiantar muito."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página