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Opinião

Versão de vedete para a morte de Getúlio Vargas era deliciosa

Virgínia Lane, que morreu na segunda, contava lenda sobre assassinato do presidente

RUY CASTRO COLUNISTA DA FOLHA

Na madrugada de 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas estava na cama em seu quarto, no Palácio do Catete, quando quatro homens embuçados entraram pela janela e o mataram a tiros. Não ria. Com ele, sob os lençóis, estava a vedete Virgínia Lane, com quem Getúlio tinha um caso de amor havia 15 anos. Da entrada dos assassinos pela janela até o fatal tiro no coração, Getúlio teve tempo de tomar importantes providências.

A primeira foi pedir a Virgínia que jurasse nunca contar a ninguém que ele fora assassinado --juramento que ela só quebrou há pouco. A segunda foi chamar seu guarda-costas Gregório Fortunato, certamente dormindo no aposento ao lado, para que tirasse Virgínia dali. Magicamente, Gregório materializou-se no quarto do presidente e, fiel às ordens do chefe, pegou Virgínia nos braços e a atirou pela janela.

Virgínia caiu no jardim do palácio, dois andares abaixo --naturalmente, nua, como estava na cama. Tendo completado o serviço, dois dos embuçados também pularam pela janela e, ao passar por Virgínia, ainda tiveram tempo de ofendê-la, dizendo, "Volta agora para o presidente, sua vagabunda". Ato contínuo, Gregório também pulou para o jardim, talvez para perseguir os criminosos pela rua do Catete e adjacências. E só então Virgínia se deu conta de que tinha fraturado um braço, uma perna e quatro costelas.

Esse relato consta de uma entrevista concedida em 2012 por Virgínia à Rádio Globo, fácil de encontrar no YouTube. Seu depoimento altera tudo que os repórteres, historiadores, biógrafos, ensaístas e memorialistas escreveram nos últimos 60 anos sobre a morte de Getúlio. Até então, todos podiam jurar que Getúlio tinha se suicidado. Afinal, foi encontrado morto, ao lado de um revólver fumegante, com uma bala no peito e um buraco no paletó do pijama.

Se ele foi morto pelos disparos de quatro homens, como disse Virgínia, significa que vários tiros se perderam pelo quarto e apenas um o acertou --alguém deve ter varrido os demais projéteis para debaixo da cama. E por que Getúlio não queria que soubessem que fora assassinado? Porque o povo precisava pensar que ele se matara --e, para tanto, deixara até uma "Carta-Testamento", segundo a qual saía da vida para entrar na história ou vice-versa, o que acontecesse primeiro.

Pelas declarações de Virgínia, não ficou muito claro o papel de Gregório nesse episódio. Por que ele dera preferência a salvar a vedete e não a defender o presidente? E o que aconteceu aos outros dois homens que ficaram para trás? Aliás, quem eram esses homens? Eram os asseclas de Carlos Lacerda, claro, diz ela. E como Virgínia conseguiu sair do Catete pelada e cheia de fraturas, e tomar um táxi na rua sem ninguém perceber?

Além de Gregório, estavam em palácio naquela noite Alzirinha, filha de Getúlio, e vários ministros. Era uma noite de grave crise institucional, e se temia até que o presidente renunciasse --ideal, portanto, para brincar de papai-mamãe com a namorada. Mas alguma coisa não deve ter funcionado porque, se Virgínia, no auge de seus 33 aninhos e 1,50 metro, estava gloriosamente nua, Getulio vestia o sólido pijama listrado com que passaria à eternidade.

A querida Virgínia, que morreu na segunda-feira em Volta Redonda (RJ), aos 93 anos, também passou à eternidade. Primeiro, por sua gravação da marchinha "Saçaricando", de Luiz Antonio, Zé Mario e Oldemar Magalhães, um estouro do Carnaval de 1952. E, depois, por sua deliciosa versão da morte de Getúlio, muito melhor do que a verdadeira, culminando a lenda de um romance que também só existiu na sua imaginação. Getúlio não gostava de baixinhas.


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