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O homem de mil faces

Novo livro e restauro de mais de 2.000 obras trazem à tona trabalho visceral do artista, músico e escritor Fernando Zarif

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Ele era descrito como compulsivo, verborrágico, cético, excêntrico, nervoso, louco, hábil, culto, inteligente --acima de tudo, um visionário.

Fernando Zarif, morto aos 50, há quase quatro anos, criou uma densa obra plástica, que se manifestava por "traços, cores, coisas, papéis, telas, lentes, pelos, sangue, pinturas, colagens, sons, fotos, filmes, fantasias, sonhos, prazeres e dores", como lembra o artista José Resende.

Também fez duas capas de discos para os Titãs --de "Tudo ao Mesmo Tempo Agora" e "Titanomaquia"--, compôs uma ópera de música eletrônica, escreveu versos e diários. No total, mais de 2.000 obras estão sendo catalogadas e restauradas --esforço da família do artista, que concentrou seu acervo num casarão em Pinheiros, na zona oeste paulistana.

Mas muito disso permaneceu subterrâneo até hoje. Nos anos antes de sua morte precoce, causada pela cirrose, Zarif evitou mostrar sua obra, uma produção vertiginosa que acumulava em sua casa.

Só agora, um livro organizado por José Resende, com textos de seus amigos, como a atriz e colunista da Folha Fernanda Torres, o músico Arnaldo Antunes e a jornalista Erika Palomino, tenta dar sentido à beleza do caos que ele deixou para trás.

Das páginas de "Zarif - Uma Obra a Contrapelo", livro que será lançado hoje na galeria Millan, em São Paulo, e nesta quinta no Museu de Arte Moderna do Rio, surgem testemunhos de um tempo "efervescente", nas palavras do marchand André Millan.

No apartamento de Zarif, no nono andar de um prédio no Itaim Bibi, Fernanda Torres conta que conheceu "a arte conceitual, a poesia urbana, a boa música, o sexo, as drogas e o rock".

Também foi ali que Zarif chegou a ver Deus. Um "cético que adora verdades, desde que passageiras", nas palavras de Resende, o artista fez de grande parte de sua obra uma reflexão sobre a fé.

Uma de suas telas, agora exposta na Millan e reproduzida no livro, é a palavra Deus alvejada por um disparo de tinta, uma mancha dourada a escorrer pelo meio da tela. "É uma síntese de tudo o que ele fez", diz Millan. "Eu olho para isso e vejo o Fernando."

Zarif também aparece nas centenas de autorretratos que fazia todos os dias. São desenhos, pinturas e às vezes composições tridimensionais, com objetos como o molde em gesso de uma arcada dentária acoplados à superfície do quadro --um esforço obsessivo dele para entender seu lugar no mundo.

EXERCÍCIO FÍSICO

"É quase um exercício físico a obra dele, como se ele precisasse mesmo fazer isso", diz Margot Crescenti, que vem restaurando as obras de Zarif ao longo dos últimos três anos. "Sou quase uma viúva dele, que desbravou seu arquivo. Vejo ali uma grande honestidade intelectual."

Na sala da casa que agora abriga o espólio de Zarif, e que será aberta ao público, Cristina Candeloro Quinn, responsável pela catalogação de sua obra, fala das dimensões ainda desconhecidas de seu trabalho como artista.

"Ele era um guru intelectual para muita gente", conta Quinn. "As pessoas que entram aqui ficam quase em estado de choque quando veem suas obras todas reunidas."

É um espanto porque Zarif nunca se preocupou em se firmar no mercado da arte. Sua obra, que agora "renasce", nas palavras de Quinn, circulou entre seus amigos íntimos e apareceu nas poucas exposições que realizou em vida.

Seu irmão, Ivan Zarif, reconhece o "gênio difícil" do artista, mas espera que o restauro da obra e o livro joguem luz sobre suas ideias. "Isso mantém o Fernando vivo."


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