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Contra todos

Gregorio Duvivier, que apresenta monólogo amanhã em SP, comenta polêmicas e defende politização do humor

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

Gregorio Duvivier, 27, integrante do Porta dos Fundos e colunista da Folha, postou há uma semana no Facebook, contra a corrente, no auge da comoção pela morte do cinegrafista Santiago Andrade:

"Pre-pa-ra que agora o fascismo vem com tudo. Não tem nada mais facilmente manipulável do que a classe média apavorada. A morte foi, definitivamente, uma tragédia. Mas foi uma tragédia muito celebrada. Brace yourselves', diz o seriado. Em bom português: fica esperto".

Para um comediante, Duvivier é intensamente politizado. E defende ser assim: "Ainda existe uma dicotomia no Brasil, muito burra. Quando a gente faz esquete político, vocês são humoristas ou são políticos?'. Como se você tivesse a possibilidade de não ser político. As pessoas não percebem que você não pode fugir da política".

Neste ano, o Porta dos Fundos está sob fogo por dois esquetes, um sobre a virgindade de Maria, outro sobre abordagem policial. Ele comenta ambos, na entrevista abaixo.

Folha - No Twitter, você usa a imagem de Eric Idle [como avatar]. Ele fazia as músicas do Monty Python. Ou faz, porque estão voltando.

Gregorio Duvivier - O Monty Python mudou a minha vida. O Eric Idle foi sempre com quem mais me identifiquei. Foi o lance das músicas e também o humor surreal, mas um pouco ingênuo. É meu Python favorito, mas gosto deles todos. Nós cinco do Porta vamos lá [a Londres] ver a reunião em julho.

Muitos dos esquetes do Porta, que Monty Python poderia fazer, por exemplo, aquele do Natal, geram controvérsia aqui. Por quê?

É um mistério, até veio uma repórter da BBC entrevistar a gente. Eles o assistiram na Inglaterra, gostaram e disseram não entender por que aqui dá processo. Para mim tem a ver com o fato de que os religiosos no Brasil acreditam que são representantes legais de Deus, de Jesus.

Não só fiéis: eles acham que o sagrado está dentro deles. Quando a gente é processado, é como se Jesus fosse casado, vamos dizer, com Marco Feliciano [pastor e deputado federal]. Como se ele tivesse direito de advogar em nome de Jesus. Isso é impensável num país civilizado.

Vocês estão sendo processados por Feliciano?

Por ele, a gente teria ofendido a ele pessoalmente. Só que é estranho, nunca foi dito o nome dele, a gente nunca o citou. A gente agora tem advogado, infelizmente.

Ele [Feliciano] está tentando achar uma brecha na lei, que é da intolerância religiosa. Realmente existe essa lei, de que você não pode escarnecer da religião de outra pessoa. Só que a gente não está escarnecendo da crença. Jesus é uma figura histórica barra mitológica. Não é uma figura que possa processar.

A lei também prevê liberdade de expressão, em princípio.

É, em princípio. Porque o Brasil tem brechas. Essa lei, por exemplo, quase se sobrepõe à liberdade de expressão. Por que você não pode escarnecer de um objeto religioso?

Depois veio a confusão com o esquete da polícia. Isso vai se tornar constante, a cada três vídeos uma reação pesada?

É uma pena. O objetivo não é esse, o que a gente gosta de fazer é comédia. A gente evita ao máximo perder tempo com polêmica.

Além do Porta, houve episódios aqui em São Paulo, envolvendo Rafinha Bastos e outros. Isso não reflete também o fato de que o humor nunca esteve tão forte?

Acho que tem uma nova fase do humor no Brasil. O humorista dá opinião em primeira pessoa. Antigamente tinha o culto da anedota, que quase sempre era reciclada.

A gente no Porta não tem nenhuma anedota. E não tem nenhum tabu: religião, homossexualidade, palavrões, marcas, a gente fala de tudo. A única coisa que a gente não faz é repetir anedota: o português burro, a loira burra. A gente não faz, pois vai perpetuar piada antiga.

Mas ainda existe uma dicotomia no Brasil, que eu acho muito burra, de que "você é um humorista, para de falar sério". Quando a gente faz um esquete político, "vocês são humoristas ou são políticos?". Como se você tivesse a possibilidade de não ser político. As pessoas não percebem que você não pode fugir da política.

Você publicou um post sobre o caso Santiago. Qual é a sua opinião?

Cara, eu acho trágico. Lamento muito não só porque é a morte de uma pessoa, que estava trabalhando, que não tem nada a ver com isso. Mas também com tudo o que aconteceu depois, com o uso político da tragédia. Acusações infundadas por parte não só de advogados dos criminosos como também da imprensa. Esses rapazes são criminosos, têm que ser julgados. Agora, tem que parar de desmerecer todo um movimento muito legítimo por causa da ação de criminosos. Que existem, mas são minoria. A maior parte da violência partiu da polícia.

Está sendo ocultada a violência do outro lado?

Exatamente. Esquecem os mortos pela polícia. É para investigar todas as mortes nas manifestações. Não é à toa que o maior homicida do Brasil é a Polícia Militar.

É só isso que acho importante lembrar, antes de aprovar leis antiterrorismo e aumentar o poder e a truculência da PM. Essa não é a solução. A gente vive num Estado democrático e é um absurdo punir manifestantes por um crime que quem cometeu foi uma minoria de imbecis.


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