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Valorização imobiliária ameaça teatros
Com aumento nos aluguéis, grupos Club Noir, Commune e Cia. Livre enfrentam dificuldades para manter sedes
Companhias de SP formam grupo para debater incentivo fiscal e auxílios públicos na manutenção de espaços
Em vigor desde 2002, a Lei de Fomento ao Teatro não deu suporte apenas à pesquisa de grupo. Os aportes, de até R$ 700 mil da Prefeitura de São Paulo para trabalhos cênicos com duração de seis meses a dois anos, estimularam também a criação e a manutenção de pequenas salas.
Mas as companhias que conseguiram levar adiante um projeto de abrir suas sedes hoje passam dificuldades para pagar o aluguel.
Satyros, Club Noir, Cia. Livre, Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, Commune e Os Fofos --veteranos no cenário paulista-- são alguns grupos que usaram parte de verbas repassadas pela Secretaria Municipal de Cultura para investir em infraestrutura.
Com outros editais e recursos próprios (de bilheterias, oficinas, palestras), criaram espaços para experimentar formatos com plateias pequenas, de até cem lugares.
A onda de aumento dos aluguéis, porém, gerou crise. A situação piora porque as verbas dos editais duram dois anos, e os recursos próprios nem sempre são suficientes para bancar os espaços.
No fim do ano passado, Os Fofos deixaram uma sala no Bexiga, pois não podiam continuar pagando o aluguel.
O grupo Pessoal do Faroeste deve quatro meses de aluguel de um galpão na região da Luz, ocupado há pouco mais de um ano. A dívida passa dos R$ 35 mil.
O Club Noir também está em débito. "Quando não ganhamos editais, enfrentamos dificuldades para quitar estas despesas", diz o diretor do núcleo, Roberto Alvim.
O aluguel do Teatro Commune saltou de R$ 3.000, em 2007, para R$ 8.200, em 2014 --mais de 170% de aumento ante uma inflação de cerca de 50% no período-- e também deixou o diretor Augusto Marin numa situação apertada.
A diretora Cibele Forjaz, da Cia. Livre, diz à Folha que seu grupo passou alguns meses sem caixa para pagar o aluguel de um galpão em Santa Cecília. "Estávamos prestes a fechar." A solução foi apelar para o próprio bolso.
REUNIÃO
A crise levou os grupos a formar o Motin (Movimento dos Teatros Independentes de SP). Na semana passada, no teatro Ágora, diretores e atores receberam a ministra da Cultura, Marta Suplicy.
Uma das propostas é a de catalogar as salas independentes e promovê-las como atrações culturais e turísticas.
Outra, mais polêmica, são editais específicos para a manutenção dos espaços, "já experimentados por Buenos Aires e Bogotá", segundo o ator Celso Frateschi, sócio do Ágora e secretário de Cultura na gestão de Marta (2001-2005).
As reivindicações também chegaram à prefeitura e à Câmara Municipal. Um projeto de lei dos vereadores Nabil Bonduki (PT) e Floriano Pesaro (PSDB) propõe incentivos fiscais a teatros de rua.
Ao mesmo tempo, os grupos se articularam para conseguir patrocínios. Os Fofos e Pessoal do Faroeste confirmam que receberão verbas de incorporadoras e construtoras para a manutenção de espaços. Os Fofos, portanto, estão voltando à sede do Bexiga, com quatro caminhões carregados de equipamentos.
Procurada pela Folha, a Brookfield confirmou que vai pagar o aluguel de um dos teatros. Como contrapartida, ganha, além de ingressos, montagens exclusivas, com temas "ligados a atividades como segurança do trabalho, qualidade e meio ambiente".
Na praça Roosevelt, a sede d'Os Satyros, que se beneficiaram com a Lei de Fomento e editais do Estado, também será financiada por uma construtora. "Nem sempre a responsabilidade [do sustento do espaço] deve ficar com o Estado", diz Ivam Cabral, um dos diretores do grupo.
Nos meses de apuro, segundo Cabral, ele e o diretor Rodolfo García Vázquez dão aulas e até palestras motivacionais. O bar do teatro também provê o grupo com cerca de R$ 3.000 mensais.
Em artigo na revista de teatro "Antro Positivo", em 2012, o diretor Ruy Filho questiona: "Como é possível, dez anos depois [da criação da Lei do Fomento], muitos ainda não terem encontrado meios para gerar suas receitas mínimas?".