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Seu Nariz

Órgão, com papel central em comédias como 'Cyrano', dá força à voz e impõe presença nos palcos

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

Em cartaz como Cyrano de Bergerac, dois anos atrás, no Rio, Bruce Gomlevsky já havia colado o nariz postiço e se maquiado, quando resolveu tomar um café antes de entrar em cena e atravessou o saguão do Centro Cultural Banco do Brasil.

"Uma senhora virou para outra e falou: Olha lá aquele menino que fez o Cazuza, ele está fazendo o Pinóquio agora'", conta o ator. Ela errou duas vezes. Antes Gomlevsky havia representado, na verdade, Renato Russo.

Cyrano é personagem célebre pelo nariz grande, central para a comédia escrita pelo francês Edmond Rostand (1868-1918) em 1897, com versos clássicos como, falando do próprio: "É um rochedo, é um pico, é um cabo! Um cabo?... É uma península!".

"Cyrano de Bergerac" será publicada nos próximos meses, em prosa, pela editora Record. É parte de uma coleção que começa, neste mês, com um conto de Gógol, também adaptado, "O Nariz".

Na narrativa "absurda" escrita em 1835, o nariz de Kovaloff ganha vida própria, sai por São Petersburgo e vira a "sensação da cidade". Até que um dia volta ao seu lugar e Kovaloff "retoma suas idas ao teatro como se nada tivesse acontecido".

Gomlevsky se interessou por "Cyrano" quando viu, aos 15, o filme com Gerard Depardieu. Não só pela qualidade dos versos, mas "porque me identifiquei com aquilo: sempre tive nariz grande e achei divertido poder falar dessa neurose, que também vivi".

Cyrano "é um complexado", e a montagem, que o próprio ator produziu, com direção de João Fonseca e maquiagem de Vavá Torres, foi uma maneira de questionar "esse ideal estético que a gente vive, apolíneo".

O nariz de Gomlevsky vem, segundo ele, do fato de ser "judeu russo" por ascendência. O do ator Marco Antônio Pâmio, em cartaz com "Ou Você Poderia me Beijar", em que vive personagem com dificuldade para respirar, vem da "ascendência italiana".

"Carrego no palco a marca da família", brinca Pâmio. "Ator que tem nariz grande geralmente usa de um eufemismo, o de que ele tem personalidade própria'. Pois bem, o meu nariz tem muita personalidade."

CURA TEATRAL

No teatro com "Um Réquiem para Antonio", usando nariz de palhaço preto, Elias Andreato diz que demorou para se acostumar. "Nos ensaios no Cambuci, calor de 40 graus, transpirava tanto que, no fim, quando eu me deito, engasgava com o suor acumulado no nariz."

Os problemas acabaram com a estreia, acredita ele, por causa do ar refrigerado. Mas a razão pode ter sido outra: segundo o otorrinolaringologista André Duprat, da Santa Casa de São Paulo, "o palco cura".

Médico de atores, já tendo operado o nariz de alguns deles, ele conta que "um paciente ligou um dia com crise de rinite, quando estava entrando em cena". Mas não deu tempo para nada, a rinite sumiu e só voltou depois que o ator deixou o palco.

Segundo Duprat, só "uma minoria vai para cirurgia", mas em casos de desvio de septo, por exemplo, "o rendimento vocal melhora muito". O mais frequente no teatro, porque "bate pouco sol" e pelos figurinos, é mesmo rinite (inflamação da mucosa), de cuidado mais simples.

A fonoaudióloga Lúcia Gayotto lembra a importância do nariz para o ator, por exemplo, na obtenção da chamada voz de máscara, "que é algo clássico no teatro, uma voz com clareza articulatória, na direção do que a máscara trazia para os primeiros atores", gregos.

É a voz que "traz mais os harmônicos altos, o que você consegue timbrando a ressonância no nariz", explica ela, que também faz direção vocal interpretativa para o palco em espetáculos como "O Duelo", em cartaz no Rio.

Gayotto diz que "atores negros têm ressonância avantajada justamente por causa do nariz [ri], tendo em vista meu próprio marido", Pascoal da Conceição, conhecido pelo alcance da voz. Ela avisa que cirurgia de redução, por estética, "com certeza muda".


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