Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Ilustrada

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Análise

Obra antecipou a arte de rua e o sonho de uma vanguarda global

SILAS MARTÍ DE SÃO PAULO

Da captura da "aura psíquica" das coisas, como diz o músico Jorge Mautner, a suas "orgias de cores", na descrição do também músico Arnaldo Antunes, a obra de José Roberto Aguilar parece atravessada por um eixo em mutação: a pintura.

Suas primeiras telas, influenciadas pela literatura e marcadas por certo desdém pelo apuro técnico, nascem densas, carregadas de matéria e calcadas na representação de espaços fantásticos.

São estranhos seres humanoides, que se fundem a flores e plantas ou ganham feições animalescas, sempre retratados em ambientes achatados, como se figura e fundo fossem moldados a partir da mesma energia cósmica.

Da mesma forma que a pintura vai perdendo o fôlego na evolução da arte contemporânea, as pinturas de Aguilar também ensaiaram passos para se libertar do quadro.

Ele se livra do peso da tinta acrílica, adota o esmalte sintético, usa pistolas de ar comprimido e aos poucos seus traços, mais diluídos, saltam dos quadros para estampar carros, banheiras e até painéis de alumínio.

Sem qualquer relação com os neoconcretistas, Aguilar acabou trilhando a mesma rota, fundindo arte e vida ao criar uma espécie de proto-grafite, pinturas desgarradas que não se aguentavam dentro da tela.

É como se prenunciasse a arte de rua, encarnando um Jean-Michel Basquiat tropical, macunaímico.

Embora sua pintura não tenha ido às ruas e avenidas, Aguilar se multiplicou em várias frentes, da videoarte à performance e estridentes incursões musicais à frente de sua Banda Performática.

Tanto que o artista chegou a se descrever como um dadaísta. Tocou piano com luvas de boxe na Pinacoteca, em São Paulo, fez uma bailarina sair de uma enorme melancia durante um show e atacou os demônios, entre eles o "bom gosto" e o "esnobismo" que assolavam a arte brasileira nos anos 1970.

Mas podia ser hoje. Aguilar, num trânsito constante entre São Paulo, Londres e Nova York, realizou antes da globalização o sonho de uma vanguarda sem fronteiras, misturando Bukowski aos ensinamentos do hinduísmo.

Mas essa fúria criativa vai perdendo força na última fase da carreira. Com o retorno à pintura nos anos 1980, Aguilar cria telas abarrotadas de grafismos, arabescos mergulhados num gestual que lembra os expressionistas abstratos americanos.

Depois de experimentos mais livres, suas obras mais recentes parecem domesticadas, como se obedecessem a uma cartilha que ele mesmo desprezava de antemão. Aguilar não deixou de ancorar sua produção em referências fecundas, mas parece ter estacionado. Sua aversão ao mercado e a modismos talvez esteja por trás dessa atitude. Mas seus espasmos de outrora fariam bem à cena atual.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página