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Crítica - Drama

Violência sem filtro prende a atenção

Narrativa seca de Renato Tapajós não se preocupa muito em explorar contextos ou dar refresco

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Primeira ficção de Renato Tapajós, "Corte Seco" escancara a violência sem filtros e efeitos especiais.

A fita expõe a sequência horripilante de atrocidades que torturadores infringiram a um grupo de guerrilheiros presos na Operação Bandeirantes, em São Paulo.

Era início de setembro de 1969 e o relato é quase autobiográfico: Tapajós passou por tudo aquilo. Naqueles primeiros dias de sua prisão, ocorria o sequestro do embaixador americano no Rio.

Em Teresópolis, a jovem militante Dilma Rousseff participava de congresso frustrado de fusão de organizações.

Na Oban e em outros centros de tortura durante a ditadura militar, o costume era praticar o máximo de violência logo nas primeiras horas ou dias de prisão, para tentar extrair nomes e locais de encontros marcados.

É o que o filme mostra, sem se preocupar muito em explorar contextos e refrescar o roteiro. É seco na narrativa.

Em muitas obras a tortura aparece de forma lateral ou é sugerida. Em tantas outras ganhou ênfase, como no francês "Estado de Sítio" (Costa-Gavras, 1972) ou na obra-prima ítalo-argelina "A Batalha de Argel" (Gillo Pontecorvo, 1966) --que por anos foi proibida de passar no Brasil.

Tapajós segue caminho próprio. Audacioso, faz da tortura o cerne da fita.

O resultado é forte e prende o espectador. Difere muito da estética plastificada das séries norte-americanas, que exibem maus tratos de forma pasteurizada, tentando construir justificativas glamourizadas para a violência.

"Corte seco" não tem nada disso. Sem os efêmeros famosos globais, boa parte do enredo se passa nas salas de tortura ou na cela onde os presos se arrastam, gemem, vomitam e tentam curar dores e feridas ensanguentadas.

A discussão política é salpicada de vez em quando ou fica nas entrelinhas. Não há flashbacks, memórias, truques de edição.

Há cenas inusitadas, como a do japonês que se desespera ao ser trancafiado. Sem ligação com militantes, ele só pensa na filha que foi deixada sozinha numa praça quando os militares o pegaram.

Num delírio, ele escreve na parede da masmorra com um fósforo: "Uma multidão de crianças que só queria brincar portando espadas de papel perdeu-se no tempo".

Tapajós não envereda por avaliações da luta armada.

O cineasta entra na ficção com uma abordagem arriscada. Faz um filme necessário.


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