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Bolinhas de papel
Às vésperas da Copa do Mundo do Brasil, conheça os livros de futebol que se salvam em meio à enxurrada de caça-níqueis e revisite os clássicos do gênero
Uma ausência e uma revelação saltam aos olhos da enxurrada de livros lançados no embalo da Copa do Mundo que começa em 12 de junho.
A revelação é "O Drible", do jornalista Sérgio Rodrigues, um raro romance brasileiro cadenciado pelo universo do futebol e que desde o seu lançamento, há seis meses, é saudado pela crítica como um acontecimento.
Na volta do Mundial ao Brasil, 64 anos depois, a ausência é a do maior clássico sobre a derrota para o Uruguai na final de 1950, no Maracanã. "Anatomia de uma Derrota", de Paulo Perdigão, retrato minucioso do "Maracanazo", está fora de catálogo e não será reeditado.
Entre um e outro livro, há incontáveis títulos de autores nacionais sobre o tema, a grande maioria de não ficção. Livrarias que abrigam clássicos como "O Negro no Futebol Brasileiro", de Mario Filho --pioneiro ao investigar a contribuição da miscigenação ao jogo e que ganhará tradução ao inglês para ser distribuído a estrangeiros durante a Copa--, preparam-se para receber carradas de papel descartável sobre o tema.
"O grosso [dos lançamentos] é caça-níquel. Os chamados de oportunidade', para não se chamar de oportunista", resume o jornalista Juca Kfouri, colunista da Folha.
Há no pacote duas biografias de Neymar ("Neymar - O Último Poeta do Futebol", do italiano Luca Caioli, e "Neymar - O Sonho Brasileiro", do dinamarquês Peter Banke), ambas prestes a vir a público e parecidas entre si pela ligeireza e trivialidade, embora a primeira seja menos inconsistente que a segunda.
Almanaques e guias, assim como reuniões de crônicas, saíram (ou sairão) aos borbotões, mas poucos merecem menção, como "Quando É Dia de Futebol" (textos de Drummond sobre futebol, já lançado) e "Os Garotos do Brasil" (textos de Ruy Castro sobre craques do país, a sair).
Entre as reedições, o destaque é outro livro de Mario Filho, "Histórias do Flamengo", cuja última edição era de 1966.
Autor de 73 prefácios de livros sobre o tema, Juca destaca uma surpresa: "Uma História das Copas do Mundo - Futebol e Sociedade", trabalho em dois volumes e mais de mil páginas do historiador cearense Airton de Farias que esmiúça os Mundiais em paralelo ao seu contexto histórico.
REVELAÇÃO
Ao definir "O Drible" como "obra-prima", Juca integra um time de admiradores que inclui Tostão ("o livro que gostaria de ter escrito", disse em sua coluna na Folha) e Luis Fernando Verissimo.
Crítico literário (escreve no site www.todoprosa.com.br) e autor de outros seis livros, o mineiro radicado no Rio Sérgio Rodrigues, 52, conta que o romance --originalmente um conto sobre um craque com poderes sobrenaturais que foi maior que Pelé-- foi cevado por quase 20 anos.
Ao narrar a relação atormentada entre pai e filho, sendo o primeiro um velho cronista esportivo que escreve um livro sobre o tal craque, Peralvo, "O Drible" passeia pelo futebol do país no século 20 e está salpicado de referências pop e literárias. Tem um desfecho engenhoso e surpreendente.
É um tributo aos irmãos Mario Filho (e ao seu "O Negro no Futebol Brasileiro", que ecoa ao longo do romance) e Nelson Rodrigues (é, à maneira das peças do dramaturgo, a história trágica de uma família com tons de melodrama), ambos personagens de "O Drible".
AUSÊNCIA
Escrito pelo crítico de cinema e programador de TV Paulo Perdigão, um intelectual tradutor de Sartre morto no final de 2006, "Anatomia de uma Derrota" é um misto de documento histórico com sessão de psicanálise.
Presente naquele dia no Maracanã, Perdigão transformaria a derrota para o Uruguai numa de suas obsessões.
Editor da L&PM, casa que detém os direitos de publicação de "Anatomia...", Ivan Pinheiro Machado conta que cogitou reeditá-lo. "Mas decidimos investir só no superclássico do Eduardo Galeano Futebol ao Sol e à Sombra' [que ganhará nova edição] e lançar os dois livros do [biógrafo italiano] Luca Caioli, Messi' e Neymar'", relata.
"Apesar de toda a sua perfeição como ensaio, texto, documentação e estrutura, o chamado mercado' sempre resistiu um pouco ao livro. Infelizmente, no que diz respeito à relação qualidade/sucesso, as coisas nem sempre são como nós gostaríamos que fossem", diz o editor.
"Anatomia..." tornou-se artigo raro até em lojas de livros usados. Na rede de sebos on-line Estante Virtual, há só nove exemplares à venda, com preços entre R$ 105 e R$ 350.
Se pode servir de consolo, sairá, só em e-book, o ensaio "Maracanã", espécie de análise do "Maracanazo" pela ótica dos vencedores, do uruguaio Franklin Morales.