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Crítica - Teatro

'A Violação de Lucrécia' é espetáculo arrebatador

Recital apresentado pela cantora irlandesa Camille O'Sullivan passa por SP e segue para cidade natal de Shakespeare

POEMA NARRATIVO SOBRE O ESTUPRO DA PERSONAGEM FOI O PRENÚNCIO DO MELHOR TEATRO SHAKESPEARIANO

NELSON DE SÁ ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Ao introduzir "The Rape of Lucrece", a violação de Lucrécia, a cantora irlandesa Camille O'Sullivan informa que é texto contemporâneo a "Titus Andronicus" e "Romeu e Julieta", primeiros passos de Shakespeare na tragédia.

Mas é muito mais, como se comprova ao longo da hora e meia seguinte: um poema narrativo que prenuncia o melhor teatro shakespeariano, que estava por vir e assombrar Londres e o mundo.

Percebem-se em Tarquínio, que tenta mas é incapaz de conter a ânsia que o leva ao estupro, traços da oração de Cláudio em "Hamlet". A própria indecisão de Tarquínio volta em Hamlet. E Lucrécia adianta muito de "ser ou não ser". Brutus em "Júlio César", Portia em "O Mercador de Veneza": personagens e peças posteriores, aos montes, parecem ecoar o poema.

O enredo básico, tirado do poeta Ovídio: Tarquínio, filho do rei de Roma, estupra Lucrécia, mulher casta do também romano Colatino; Lucrécia se suicida, exigindo vingança; Tarquínio e o pai são banidos e nasce a República.

O espetáculo, que poderia ser descrito como um recital, com O'Sullivan acompanhada pelo pianista Feargal Murray, se provou arrebatador de público e crítica ao ser apresentado no Festival de Edimburgo, um ano e meio atrás.

De Curitiba e agora São Paulo, segue para Stratford-upon-Avon, cidade natal do autor, como parte da programação da Royal Shakespeare Company para os 450 anos.

Conhecida por interpretar Nick Cave e Tom Waits, O'Sullivan é mais atriz que cantora em "The Rape of Lucrece", mas é na voz que ela revela o poema ou, melhor, os seus dois personagens principais.

O texto é bastante editado, inclusive porções importantes como uma descrição da guerra de Troia, para trazer para a boca de cena os conflitos internos enfrentados por Tarquínio e Lucrécia.

O'Sullivan consegue expressar de maneira esclarecedora, explicativa até, as motivações tanto para o estupro como para o suicídio. Uma clareza que é ajudada também pelos trechos musicados, com repetição e destaque de versos chaves.

O feito de O'Sullivan, Murray e da diretora Elizabeth Freestone na adaptação e representação é ainda mais impressionante por se tratar de um poema marcadamente barroco, com metáforas em excesso, retórica carregada.

A encenação, porém, não acompanha o mergulho que os três fazem no poema: cenário com telas pintadas, piano de cauda, figurinos óbvios para Tarquínio (farda preta) e Lucrécia (camisola branca).

"The Rape of Lucrece" pode não ser a melhor montagem recente de Shakespeare a passar pelo Brasil --o posto cabe a "As You Like It" (1991), que vem sendo eleita em Londres entre as maiores encenações contemporâneas. Mas para celebrar os 450 anos talvez não surja chance igual.


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