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Depoimento
Obra do artista fundou um novo território para a pintura brasileira
PAULO PASTA ESPECIAL PARA A FOLHASempre chamou minha atenção uma expressão usada por Iberê Camargo para se referir à sua condição de pintor. Disse ele: "Sou um europeu aguaipecado'". Guaipeca, no Rio Grande do Sul, é o nome dado aos vira-latas.
O pintor queria ironizar sua condição de artista brasileiro. A pintura, por sua história, é europeia. Ao menos a pintura culta, que Iberê valorizava e que o fez ir ao velho continente para aprender.
Essa formulação revela também o esforço que seria pintar aqui. Não seria qualquer um a europeizar o guaipeca, a dar pedigree a isso.
Acredito que esse esforço teve uma importância parecida à fundação de um novo território para nossa pintura. Estou convencido de que sua ação trouxe a nós --os pintores que vieram depois-- um lugar menos vago e desigual.
Essa tarefa extraordinária é, para mim, uma das inúmeras qualidades de Iberê. Outros fizeram algo parecido, como Guignard (seu professor) e Volpi. Mas nenhuma outra pintura tratou e internalizou esse conflito como as telas encarnadas de Iberê.
Quando o conheci, pensei: "Conheci um pintor". Além da qualidade do seu trabalho e do peso simbólico de sua personalidade, a maneira como articulava sua história pessoal com questões de seu trabalho e de sua época atestava a minha primeira e entusiasmada impressão.
Aquele também era um momento em que sua pintura sofria uma transformação. Ele estava empenhado em grandes telas, inserindo nelas figuras humanas completas.
Elas dividiam o espaço e buscavam conviver com seus temas anteriores: carretéis, bicicletas. Eram telas ao mesmo tempo desiludidas e vigorosas, contradição que talvez se explique na relação de Iberê com o seu passado.
Aquelas figuras, envoltas na luz crepuscular, buscando e olhando para o que havia sido seu passado, eram sua mais completa resposta àquela vontade de realizar uma grande pintura aqui, esse lugar de pouca história.
Pareciam dizer que, sem chance de responder à tradição, restava a ele seu próprio e inescapável passado.