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Fiéis camareiros

Tradição do teatro, a arte de cuidar tanto da roupa do personagem quanto do bem-estar do ator ganha impulso com musicais

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO

Paulo Autran, antes de entrar em cena, tirava um cochilo. O ator, morto em 2007 aos 85 anos, já tinha preparadas "caminha e coberta". Era acordado minutos antes: "A gente colocava microfones, figurinos, e, ao pôr os pés no palco, ele virava um jovem."

Quem conta é Elisa Galdino, 58, camareira de Autran em "Visitando o Sr. Green" (2000) e "Adivinhe Quem Vem para Rezar?" (2005).

O ofício, tradicional no teatro, ganhou impulso na última década, com a explosão na produção de musicais.

Elisa, antes voltada ao teatro chamado "sério", no sentido de não musical, trabalhou em "Emoções Baratas" (2010), "Priscilla, a Rainha do Deserto" (2012) e "New York, New York" (2013) e está hoje em "Rita Lee Mora ao Lado".

"Priscilla" foi um marco da atividade. Em dez meses em cartaz, oito sessões semanais e plateia de 1.439 lugares, empregava 18 camareiros.

André Rocha foi um deles. "Eu tinha 21 trocas", diz. "A mais lenta era de um minuto e 30 segundos. A mais rápida, de 37 segundos, eu trocando o ator no palco, com blecaute, todo de preto, sem aparecer. Então ele ia para a luz e o público se maravilhava: Nossa, como ele fez?'."

Químico, Rocha trocou dez anos de laboratório pelos camarins de "Sonho e Fantasia Disney" há oito anos. Hoje faz "A Madrinha Embriagada".

Ele diz que, com os musicais, houve aumento de apresentações, até 32 por mês no caso de "Madrinha". Com isso e a exigência de rapidez nas trocas --"coisa bem Broadway"--, o salário subiu.

O valor mínimo mensal para o ofício, segundo o Sindicato dos Artistas e Técnicos, está agora em R$ 1.770.

Elisa confirma que os salários subiram, mas acrescenta que algumas produções, "mesmo sendo caras e grandes, não colocam muitas camareiras, não pagam bem, tiram o sangue mesmo". Ela cobra que o sindicato atue "junto a esses grandes".

Consuelo de Cássia, 53, diz que agora "todo mundo" quer ser camareira. "O sindicato tinha que ter cuidado com isso". Camareira de "A Última Sessão", com veteranas como Laura Cardoso, vê "desvalorização" do ofício.

E diz que "não é profissão: você tem que amar, tem que saber lidar com os atores, que são sensíveis, carentes".

A atriz Kiara Sasso, 35, protagonista de "O Fantasma da Ópera" (2005/07) e "Mamma Mia" (2010/11), e agora em "Madrinha", saúda a profissionalização que o gênero trouxe. "Os musicais demandam precisão, pelos figurinos refinados, trocas rápidas."

Ela diz que isso não esfriou a relação atriz-camareira. "Eu e a Soninha, a gente sabe ser séria, mas a gente brinca. Ela é uma supermãezona."

Brincadeiras e conflitos já inspiraram peça na Broadway, tornada filme em 1983, "O Fiel Camareiro". André Rocha viu e diz que continua assim. "Você se torna amigo e confidente", diz. "Você escuta ali no camarim, conversa. Mas, do camarim para fora, esquece tudo. O camareiro fiel é surdo, cego e mudo."


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