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Crítica - Romance

Lugares-comuns dão ares de mistério infantojuvenil a livro

Obra de Marcelo Ferroni tem mais de 'Scooby-Doo' do que de Agatha Christie

AS CINCO ÚLTIMAS PÁGINAS DO ROMANCE SÃO DIVERTIDAS, MAS É TARDE DEMAIS PARA SALVAR O ROMANCE DE UM TRISTE 'RUIM'

ALCIR PÉCORA ESPECIAL PARA A FOLHA

Marcelo Ferroni (1974) teve um bem-sucedido romance de estreia --"Método Prático de Guerrilha", de 2010--, quando, de maneira perversa, reduziu as ações finais de Che Guevara na selva boliviana às desventuras de um ladrão de galinhas.

"Das Paredes, Meu Amor, os Escravos nos Contemplam", sua nova incursão no gênero, tem outra entrada, mas o mesmo viés caricato: um escritor estreante, ansioso por resenhas, tem um caso com uma garota rica, mimada e drogada --referida insistentemente como "pequena", à maneira de versão brega de filme noir americano.

Pois a "pequena" o convida para um fim de semana familiar numa antiga fazenda de café. Uma vez lá, em meio a um ambiente de disputa pelo controle da poderosa empresa de filtros da família, o patriarca é morto.

Admitem-se no argumento também aspectos históricos: tanto o da alusão ao período áureo do café, como o da autobiografia, sendo Ferroni o autor de um segundo livro sobre a ansiedade pela recepção do primeiro.

Ocorre que, a partir daí, o tema do autor estreante submerge num misto de fábula de terror (com espíritos que se manifestam em invocações de rodas e murmurações furtivas sobre escravos enterrados nas paredes da antiga sede) e romance policial sobre assassinatos em recintos fechados.

Nessa nova situação, o escritor dá seus pitacos, mas quem revela possuir o talento raciocinante de um Sherlock é outro jovem, o namorado da restauradora da casa, que se encontrava desaparecida.

É fácil ver, portanto, que o gozo de Ferroni está em retomar situações-clichê e lidar ironicamente com elas.

O problema é que lhe falta domínio desse tipo de narrativa, altamente regulada em seus movimentos de surpresa e suspense, pistas e despistes, mistério e solução. A ironia estudada não supera, nem sequer se equipara aos clichês invocados.

Pior, o uso em série de lugares-comuns de gênero --luzes que se apagam repentinamente, aguaceiros com raios e trovões, tiros no escuro, rangidos no teto, esconderijos secretos, paredes falsas, intrigas familiares, jogos com espíritos, empregados suspeitos, deduções brilhantes --tudo com a moldura didática da fazenda imperial--, dá ao romance um ar de aventura de mistério infantojuvenil.

Vale dizer, menos com jeito de Agatha Christie que de "Scooby-Doo", quando os sustos de uma mansão assombrada se reduzem aos trambiques de um gatuno finalmente desmascarado.

As cinco últimas páginas do romance são divertidas, quando retorna o tema da ansiedade do jovem autor e ele constata que um crítico da Folha, na "Ilustrada", presenteia com o conceito "ótimo" o livro de outro colunista do jornal, lançado pela editora da mesma empresa. Mas aí, infelizmente, já é tarde demais para salvar o romance de 267 páginas de um triste "ruim".


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