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Marcelo Coelho

Tempo de viradas

Na política e no futebol, o ritmo do jogo se acelera, e o que aconteceu há cinco minutos já foi esquecido

Acompanho pouco o futebol, mas pelo que me lembro a seleção brasileira tinha uma coisa bem irritante alguns anos atrás.

Ficava enrolando, enrolando, sem conseguir marcar nenhum gol quase até o final do primeiro tempo. Claro que acabava dando chance para o adversário. Perdendo de um a zero, o Brasil se descontrolava; já não sabia mais o que fazer em campo.

Talvez se sentisse tão predestinado à vitória que nem se preocupava em atacar. Levando um gol, caía na realidade. Mas a realidade não surgia como algo a ser enfrentado; tratava-se de um labirinto, uma armação, um pesadelo. Tudo corria como se a realidade fosse uma coisa irreal.

Escrevo sem saber o resultado do jogo Brasil e México. Mas nesta Copa do Mundo o comportamento geral (não só dos brasileiros) parece bem diverso. Está predominando o espírito da "virada": depois de um gol contra, a seleção venceu a Croácia.

De virada, a Costa Rica superou o Uruguai, a Suíça fez o mesmo contra o Equador, e a Costa do Marfim, o Japão. Os jogos melhoram muito.

Fora dos campos de futebol, talvez esteja acontecendo algo parecido. Veja-se a "virada" produzida nos meios de comunicação depois dos xingamentos a Dilma Rousseff.

Os candidatos de oposição enxergaram, inicialmente, uma oportunidade para se dizer afinados com o "sentimento popular". Nas redes sociais, entretanto, o jogo virou com rapidez. Tornou-se reprovável, quase hediondo, xingar a presidente. Aécio e Eduardo Campos recuaram.

Coisa semelhante ocorreu durante as manifestações de junho. O jogo das opiniões foi movimentadíssimo. No começo, tudo se inscrevia na rotina dos pequenos protestos que causam grande congestionamento. A truculência da PM foi o gol contra que virou a partida em favor dos manifestantes. A radicalização dos black blocs decidiu o jogo.

Boa parte dessa velocidade se deve às redes sociais. Acelera-se o fluxo das opiniões "públicas" --no sentido de que não se confinam a um grupo de ouvintes a quem conhecemos pessoalmente, mas se espalham para indivíduos que nunca vimos na vida.

Não é impossível que, com isso, os habitantes do velho universo público --comentaristas de TV, articulistas de jornal, candidatos a cargos eletivos-- sejam pegos no contrapé.

O caso de Arnaldo Jabor, em junho passado, foi o mais notório: começou chamando os manifestantes de playboys, burguesinhos ou coisa parecida, e teve de voltar atrás.

Não é que não tenha direito a mudar de ideia; os próprios fatos, aliás, mudavam de figura. O problema, para continuarmos no mundo futebolístico, é que quando o ataque desembesta tudo fica muito atrapalhado na hora de recuar.

Ao mesmo tempo, a multiplicação dos "opinadores" nas redes sociais impõe uma concorrência brutal. Como todos competem pela atenção, pode sair ganhando quem fala mais alto. Os comentários crescem em extremismo e estridência.

Há o risco de ter de recuar mais tarde. Não chega a ser dos mais sérios, porque, como há muita velocidade e quantidade de opiniões, ninguém se lembra direito nem do que leu nem do que escreveu.

Mas aí ocorre outro paradoxo. Como a internet funciona por ondas, um velho boato ou uma antiquíssima besteira renascem, meses depois de terem sido arquivadas. A mentira pode ter pernas curtas, mas volta sempre.

Há ao mesmo tempo uma hipertrofia da memória --tudo pode ser lembrado-- e uma atrofia da memória, porque tudo será esquecido. Na política, Fulano denuncia um caso de corrupção, que equivale ao outro em que ele próprio estava envolvido.

Claro que isso sempre aconteceu no Brasil, mas a internet contribui como nunca para eliminar as distâncias de espaço e tempo.

Parecem paquidérmicos, em contraste, os esforços dos marqueteiros tradicionais para construir as campanhas de seus candidatos na propaganda do rádio e da TV. O "micromarketing" de twitters e postagens talvez não seja capaz de alterar as grandes tendências do eleitorado neste ano, mas não deve ser desprezado.

Uma última metáfora esportiva: como num jogo de basquete, os minutos finais contam mais que o jogo inteiro. A política vai ficando instantânea --e me arrisco a dizer que o futebol também. Todos correm muito, o gol contra de cinco minutos atrás já foi esquecido, e cada jogo parece constituir-se de noventa minutos de uma decisão por pênaltis. Só não sei se nas eleições há tantos craques assim.


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