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Depoimento

Monty Python continua igual, do jeitinho que a gente ama

Diante do grupo inglês, colunista quase fez coraçãozinho com a mão

A FELICIDADE PODE ESTAR NA REPETIÇÃO DO PASSADO, NAS NOSSAS VELHAS FALHAS DE SEMPRE

GREGORIO DUVIVIER COLUNISTA DA FOLHA

A coletiva começou com um vídeo, feito especialmente pelos Rolling Stones para a ocasião. No vídeo, Mick Jagger está em casa, assistindo à televisão, e descobre que o Monty Python vai voltar a se apresentar.

"Acho muito deprimente esses velhos que não sabem a hora de parar", diz Jagger, "e ficam se agitando no palco como se fossem jovens". O baterista Charlie Watts olha pra ele, constrangido. Fim do vídeo. Entram os cinco Python. E o espírito de Deus se moveu sobre a face das águas.

Queria perguntar um trilhão de coisas, mas os jornalistas do mundo inteiro (uns 50) disputavam a palavra. Queria dizer que amava eles incondicionalmente, fazer coraçãozinho com as mãos, pedir pra eles mandarem um beijo pra minha mãe, pro meu pai e especialmente pra mim.

Mas --sorte a minha-- nunca iria conseguir perguntar nada: os 50 jornalistas eram muito mais safos que eu. Até que a bola caiu no meu pé, como um milagre --operado pelo amigo Pedro Caiado, jornalista calejado, que levantou a mão, matou no peito, e tocou a bola pra mim. Perguntei, idiotamente: "Hi, my name is Gregorio Duvivier, I am Brazilian". Ao que John Cleese cortou: "You lucky bastard".

Timing perfeito. Todos riram. Genial. O que me desconcertou ainda mais. Respirei fundo, tomei coragem e perguntei: "Vocês assistem à comédia que se faz hoje em dia?". Silêncio enorme. "Não", responde John Cleese. Todos riem. Não pode acabar assim. Tomo coragem. Insisto na pergunta: "Não tem nada, nos últimos 30 anos, que fez vocês rirem?".

Terry Jones diz, timidamente: "Gosto do Louis C.K.". Michael Palin tenta lembrar do nome de uma comediante que ele gosta: Rebecca... Mas não se lembra. John Cleese toma a palavra e arremata, com a sinceridade que lhe é característica: "A parte interessante de ficar velho é que você não precisa mais fingir que se interessa pelas novidades e pode ser feliz apenas relembrando os bons momentos".

Essa frase ficou ecoando na minha cabeça ao longo de todo o espetáculo a que eu assisti na terça (1º). Se eu fosse crítico de teatro, teria odiado a peça. Até porque não é teatro.

Em duas horas e meia de peça, não há uma ideia sequer de encenação, um recurso teatral que justifique o fato de estarmos vendo esquetes que já sabemos de cor. A ordem dos esquetes parece randômica. A peça começa com o esquete das lhamas, executada com um timing lento. Parece que eles estão imitando a si mesmos.

Se fosse crítico, diria que enferrujaram, para não dizer que apodreceram. Alguns atores nem sabiam o texto. No esquete "Sapinhos Crocantes", Terry Jones lia o texto no teleprompter --a plateia conhecia o esquete melhor que ele.

John Cleese tinha ininterruptas crises de riso. Os esquetes filmados --as únicas "novidades" da noite -- eram constrangedoramente amadores e mal filmados. A prometida aparição do físico Stephen Hawking se deu numa piada idiota ou inteligente demais para mim. Os números de dança se arrastavam por minutos intermináveis.

A sorte é que eu não sou crítico de teatro. E a peça foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida. E não só para mim. Arrisco dizer que para a maioria das pessoas que estavam ali.

Exatamente por causa de todas essas falhas que eu citei. Não tem nada melhor do que ver o seu ídolo falhando --era tudo o que a gente queria, no fundo.

Além disso, essas falhas --ausência de dramaturgia, piadas infantis, interpretações amadoras-- já estavam presentes em larga escala no Monty Python de antigamente, e arrisco dizer que era exatamente por causa delas que a gente os amava. E eles continuam iguaizinhos, do mesmo jeitinho que a gente ama.

No final da noite, cantando "Always Look on the Bright Side of Life" com Eric Idle e as 15 mil pessoas que estavam na plateia --entre elas alguns amigos da vida toda-- estava feliz como nunca estive.

A busca pela novidade escraviza. O apego ao passado não é uma prisão: a pior escravidão é a necessidade de frescor. A felicidade pode estar, sim, na repetição do passado, na encenação da memória, nas nossas velhas falhas de sempre. Não há nada de errado com tudo o que a gente tem de errado. Os Stones sabem disso. Os Python também. Lucky bastards.


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