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Crítica - Drama

'Meninos de Kichute' incorpora dimensão política por meio de conflito familiar

CÁSSIO STARLING CARLOS CRÍTICO DA FOLHA

Os tênis kichute fazem parte de uma época em que crianças e adolescentes brasileiras eram obrigadas a aturar as aulas de educação moral e cívica, saber de cor para entoar o "Hino Nacional" e o "Hino à Bandeira" e podiam ser barradas na escola por algum desajuste no uniforme.

Esse imaginário fascistoide de um país submerso nos delírios de grandeza da ditadura militar nos anos 1970 ressurge das trevas em "Meninos de Kichute".

Ainda bem que o diretor Luca Amberg, que co-assina o roteiro com Marcio Américo, autor do romance que deu origem ao longa, busca reconstituir afetivamente uma infância, evitando mascará-la com o verniz da nostalgia.

No centro da trama, o garoto Beto sonha em se tornar goleiro enquanto vive numa família pobre de dinheiro e de espírito. Contra ele, a moral religiosa hipócrita ostentada pelo pai reflete a mentalidade autoritária no período.

Ali, qualquer manifestação de liberdade ou de desobediência confunde-se com subversão. Basta, portanto, a "Meninos de Kichute" dramatizar o conflito familiar para incorporar uma dimensão política pela qual, à primeira vista, parece não se interessar.

A única presença militar é a de um colega de Beto, cujas atitudes preconceituosas o colocam à parte.

Uma eficiente sequência dentro de sala de aula, contudo, revela como a ditadura não era só um estado repressivo que se escondia nos subterrâneos das torturas e desaparecimentos, pois entranhava-se no cotidiano via conceitos reproduzidos por pais e mestres.

Nesse sentido, "Meninos de Kichute" pertence à linhagem de "Infância Clandestina" e "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", filmes que escolhem crianças como ponto de vista de uma geração que só mais tarde tomou consciência dos horrores que a cercavam.

Como estes filmes, o longa de Amberg não se limita a reconstituir em detalhes um período como cenário para uma trama. A memória que ele resgata ajuda mesmo os que ocasionalmente sintam saudades daquele Brasil pra frente a descobrirem que é melhor ele ter ficado para trás.


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