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Mônica Bergamo

NA COPA DE ELZA

Madrinha do Mundial de 1962, a cantora que foi casada com Garrincha rezou para baixar o espírito de Mané em campo e evitar a eliminação do Brasil; para ela, a seleção da Alemanha 'bateu um tambor lá na Bahia'

A voz rascante de Elza Soares puxa o coro de "Vou Festejar", sucesso de Beth Carvalho, quando se ensaiava a goleada de 7 a 1 da Alemanha sobre o Brasil: "Chora!/ Não vou ligar/ Chegou a hora/ Vais me pagar/ Pode chorar/ Pode chorar".

Com o placar de 5 x 0, aos 38 minutos do primeiro tempo, a dona da casa pega o pandeiro, solta a voz e se dirige à copa de seu apartamento, no bairro do Catete, na zona sul do Rio de Janeiro.

É dali que a ex-mulher de Mané Garrincha, a quem ele dedicou o título de 1962, passa a acompanhar a saga da eliminação da seleção canarinho. Distância regulamentar a bem de sua pressão arterial. "Eu sofro, não consigo olhar o jogo", diz à repórter Eliane Trindade, que assistiu à partida entre os oito convidados da artista. A anfitriã veste a camisa 7 que já foi de Garrincha e agora é de Hulk.

O sofrimento de Elza e de todo o Brasil começa aos 10 minutos de jogo com o gol de Müller. Na cobrança de escanteio que abre o placar, ela se posiciona de costas para a TV. Ao lado, a amiga Tetê Cavalckanti, também cantora, narra o segundo gol alemão. Elza reza: "Desce, Mané. Dá uma ajudinha". O craque de glórias passadas só pode ter baixado no lado errado do campo: nos seis minutos seguintes, três gols da Alemanha.

A madrinha da seleção de 1962 carrega no peito uma medalhinha de Nossa Senhora, ao lado das cinco estrelinhas que simbolizam os títulos do Brasil. "Pelo jeito, os alemães têm uma santa mais forte. Bateram um tambor lá na Bahia [onde se hospedaram]." O locutor começa a falar em tragédia. Elza tapa os ouvidos. Marlene, sua cozinheira, traz um salgadinho para elevar a pressão baixa da patroa: "Falta raça".

Uma lágrima escorre dos olhos de Elza. O maquiador Wesley Pachu estava a postos, mas nada de retoques. "Não tenho idade. My name is now' [meu nome é agora]. Minha vida é va'mbora, vamos brincar, vamos dançar. Não dou conta de fazer conta", gargalha, sobre os seus 77 anos, que prefere não declarar.

Ela se diz contente com o que vê no espelho. "Não tenho rugas. Tenho uma pele maravilhosa. Tá tudo lindo." Nem esconde as várias plásticas: "Enquanto existir o Pitanguy [Ivo, cirurgião plástico], tô ligando pra casa dele, né? Se ele não puder, outro vai ter pena e cuida."

E continua: "Se é para tirar um pedacinho da bunda, eu tiro. Se deu algum problema na cara, a gente ajeita. Aqui é o país da bunda dura. Se não tiver, acabou. A minha tá dura". E o coração? "Não tô namorando. Talvez porque a coluna ainda esteja um pouquinho zangada [ela passou por cirurgia há quatro meses e anda com dificuldade]. Quem sabe, quando passar? Tô viva, né?".

Em 2012, terminou o casamento com Bruno Lucide, 45 anos mais jovem. "Não ligo para nada disso. Se dá conta do negócio, tá tudo bem. E quando vai embora, vai com Deus. A porta tá aberta pra outro entrar." Elza continua suando frio com o sufoco no "Mineiraço". Leva os convidados para a copa do apartamento. Acomodados à mesa de café, doces e salgadinhos, eles começam a receber imagens nos celulares com "memes" hilários na internet. Elza se diverte ao ver o Cristo Redentor de metralhadora na mão e a frase: "A taça fica".

Sonhos recheados adoçam lembranças de outras Copas, como a dramática decisão de 1962 no Chile. Elza relata que tentou invadir o campo quando viu Garrincha levar uma pedrada de um torcedor chileno. "A polícia soltou os cachorros atrás de mim, um dele pegou na minha calça e quase mordeu minha bunda. Dantesco." Mané voltou a campo com a cabeça enfaixada para se consagrar.

Do tricampeonato em 1970, as lembranças são amargas. Já casados e afastados do Brasil em razão da ditadura, Elza e Mané assistiram à conquista de Pelé e companhia em um hotel em Roma. "Ficamos lá agarrados um ao outro. Choramos muito. De felicidade e também por estar ali, longe." A história de amor durou 17 anos. "A gente levou muita pedrada no caminho", diz ela. No começo do romance com o jogador, que era casado, os dois foram criticados. Ela teve até a casa alvejada por balas.

Contraste com a atual torcida pelo namoro de Neymar e Bruna. "Ela é sensata. Fica na dela. Aliás, o casal não se expõe", elogia Elza. "São bem orientados. Eu não tive orientação nenhuma, só queria amar." Nem havia "marias-chuteiras". "Acho gozado ver hoje todo mundo namorando jogador de futebol. Muito brilhante, muitos euros. Os caras são ricos pra cacete. No meu caso, Mané era o pobre. Eu, a rica. Segurei ele ao meu lado, com alcoolismo, filhas. Não me arrependo."

O músico Hélio Cavalcanti vai até a sala para espiar a TV. Volta à copa de Elza com notícias do Mineirão. "Até o Felipão está sentado." Dali a pouco, ele anuncia o sexto gol alemão. "Até eu com a minha coluna quebrada fazia um golzinho", diz Elza, que desanca Fred, "o pior na Copa". Acha que ele tinha que ter pedido para sair. "Se vou cantar e desafino, digo: Acabou, Elza'."

Nessa semana, ela trouxe para SP o espetáculo "Elza Soares Canta Lupicínio Rodrigues", que segue para o Rio. No show, exibe a tatuagem de rosas que fez nas costas em homenagem ao compositor, para desculpar-se de uma gafe: no início da carreira, ela cantava um dos sucessos dele em uma boate. Lupicínio se aproximou com flores. "Uma rosa para uma rosa", disse. Os dois não tinham sido apresentados ainda. Ela não o reconheceu. "Meu nome não é Rosa e eu detesto rosas", disparou.

Bola fora maior ocorria no Mundial. A turma da copa de Elza volta para a sala a tempo de ver o único gol brasileiro. Um vizinho toca corneta. "Desavisado, faltam só seis", brinca a cantora. Fim de jogo. David Luiz chora. "Fica assim não, meu filho, aumentou sua conta bancária", diz ela. Ao fundo uma placa com dezenas de patrocinadores. "Eu faço show mais barato e nunca tive patrocínio nenhum."

Começa a caça às bruxas. Elza defende a permanência de Felipão. "Não culpo ele. O Brasil tem que tomar vergonha na cara e contratá-lo como treinador permanente para poder fazer um belo time. Há quanto tempo a Alemanha tem o mesmo técnico?"

Elza é fã da Holanda de Van Persie, que vai levar para casa seu disco "Do Cóccix até o Pescoço", que ela mandou entregar de presente ao craque no hotel em Ipanema. "Ele elogiou Mané. Merecia levar um CD da Elza. Falou bem do Mané é só carinho." Quando cogitaram mudar o nome do Estádio Mané Garrincha, virou fera. "Ameacei ficar deitada na porta e até nua se fizesse calor." Ganhou a parada e cantou o hino nacional na reinauguração.

A musa de 1962 não foi convidada para ver nenhum dos jogos da Copa de 2014. Nem cogitada para cantar na festa. "Deixa a Claudia Milk", ela faz graça com o nome de Claudia Leitte, estrela da abertura. Elza cantarola "Brasil", de Cazuza: "Não me convidaram/ Pra esta festa pobre/ Que os homens armaram/ Pra me convencer".

Na TV, Felipão fala de pane. A cantora diz: "Na Copa da Elza não teve apagão".


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