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Mônica Bergamo

Bebel da Silva

A cantora está lançando o disco "Tudo" e diz que, se pudesse, daria um clique no nariz para viver entre o Brasil e Nova York

É praticamente irresistível começar a falar de Bebel Gilberto por suas credenciais familiares: neta do historiador Sérgio Buarque de Holanda. Filha dos cantores João Gilberto e Miúcha. Sobrinha de Chico Buarque. Uma das melhores amigas de Cazuza.

Há alguns dias, ela conversou com a coluna sobre esses velhos amores e sua nova paixão: o CD que está lançando, "Tudo". Aos 48 anos, 20 deles fora do Brasil, e com uma sólida carreira internacional, Bebel diz que nos últimos dias, para divulgar o trabalho, começa a dar entrevista "às sete da manhã, para Canadá, EUA, Europa", e só termina à noite, "falando com o Japão". Em setembro, ela vem ao Brasil, como revela na entrevista que segue:

O TEMPO PASSA

Eu finjo que eu tô fazendo 27 anos. Pra mim tá tudo normal, não tem pressão nenhuma. Aos 48 anos, você só fica mais paciente, com mais atenção, menos distraída, menos dispersa talvez, entende? Sei muito bem o que eu quero e o que eu não quero.

MUNDO CHATO

Eu não me enquadro nesse mundo. Quem me conhece sabe disso. Sou uma pessoa muito espontânea e às vezes pago caro por falar demais. E digo mesmo. Não sou uma diplomata que não vai dizer na cara o que pensa. Já tive problemas por isso. Você erra a ordem da música no Rock in Rio e falam que você tá doida. Sabe assim?

CAZUZA ONTEM

Quando conheci o Cazuza, todos fazíamos loucura. Mas ele não era tudo isso que as pessoas dizem.

Você chegava na casa dele e o Cazuza tava lendo Nietzsche, já tinha ido à praia, ele comia camarão com chuchu, sabe? Era extremamente bem informado, viajado, intelectual mesmo. É triste só ligarem ele à coisa de ser porra louca. A doença [Aids] criou esse rótulo doidão. Não tem nada a ver com a qualidade da música dele, do grande amigo que ele era, o grande protetor, irmão, que na madrugada ia te levar de carro em casa. Quem leva alguém às 4h hoje? Ele ficava com medo que eu dirigisse e me levava, olha que fofo?

A gente passava na padaria Ipanema, pegava um pão que tava saindo, ia pra casa. Sim, ficávamos acordados a noite inteira. Mas a gente tomava café da manhã, dormíamos três horas e íamos pra praia de novo. Ressaca. Eram outros tempos, era muito, muito legal, era outra vida.

CAZUZA HOJE

Ele seria que nem eu: animado, feliz, querido. Um pouco mais calmo, talvez. Quem é inteligente, né [se acalma depois de certo tempo]. Ou não vive. Sou muito saudável, a verdade é essa. É que as pessoas não entendem.

Se não tivesse tido um Cazuza na minha vida, eu provavelmente teria sido um pouco mais catita, como dizem. A gente virou meio irreverente. Não perde tempo. Não passa a tarde com quem não tem nada a ver com a gente. Não dá pano pra manga. Fala a verdade na cara. Mentiras sinceras me interessam.

BRASIL

O meu sonho é poder ficar a metade do tempo aqui [em Nova York] e a outra metade aí [no Brasil]. Eu penso metade em português e metade em inglês. Se eu pudesse ser a feiticeira [da série de TV americana dos anos 60 e 70], dar um clique no nariz e aparecer aí, era o ideal. Sou "brasileirérrima". Mas minha vida foi montada aqui. Hoje eu sou uma new yorker. E quem não entende isso, eu sinto muito. Não é que agora eu quero conquistar [o Brasil]. Eu sempre quis. Só que moro aqui. Eu tô no hemisfério norte e você tá hemisfério sul.

DINHEIRO

Nem eu nem meus pais somos trilhardários. Sou a maior bon vivant, na boa. Trabalho, mas curto. Viajo, me dou os presentes que as mulheres se dão: sapato, spa, tratamentos holísticos, yoga, acupuntura, gyrotonic. Eu poderia ter um avião particular [risos]. Eu quero é ser feliz, entende? É meu lema. E eu sou feliz, a verdade é essa. Só faço o que quero, sou independente, solteira. Me dou bem com os meus ex-maridos, mas casar de novo... não é o meu papel.

O MUNDO

Ah, é, sou garota do mundo. Saí de casa com 16 anos para morar com o Dé [André Palmeira Cunha, baixista da banda Barão Vermelho]. Muita água rolou, já morei em muitas casas. Mas até que em NY enraizei, viu? Tô aqui há 20 anos. Claro que teve cinco anos que passei em Londres, teve a Alemanha, Amsterdã. Mas geralmente eu tô aqui.

A BABÁ

Nasci aqui [nos EUA] e meus pais foram fazer uma viagem para o México. Eu tinha nove meses, e tava tão bem com a babá que eles acharam melhor eu ficar com ela. E a Dolores tomou conta de mim por seis meses.

A AVÓ

Morei com meus avós em SP [dos 5 aos 8 anos, depois que os pais se separaram], na famosa casa número 35 [da rua Buri, no Pacaembu].

Tô aqui olhando pra ela [a avó, Maria Amélia, que morreu em 2010] e falando com você. Eu tenho foto dela pela casa inteira. É a minha mãe, né? Logo antes de completar 100 anos, ela deu uma entrevista e disse que eu era a neta preferida [entre os 14 netos que tinha]. Para ela ter coragem de falar isso, é porque [a relação entre as duas] foi muito forte, entendeu?

Eu fui a primeira neta. Ela me ensinou a rezar, a costurar, a cozinhar, a cortar uma fruta, a saber a importância de uma lavanda. Quando você tem uma educação tão severa, de comer com talher francês e de prata, toda aquela coisa de princesinha, é difícil você esquecer. Ela era fina. Quatrocentona. Eu ligava para ela todos os dias.

MÃE

Com a minha mãe [Miúcha] eu não falo todos os dias. Minha mãe é minha irmã. Mentira! Ela é mãe também. É bicho solto, total. Eu sou, mas menos. Por incrível que pareça! Se eu tivesse sido mãe, teria sido mais quietinha.

O AVÔ

Meu avô [Sérgio Buarque de Holanda] me ensinou a ser feliz. Ele era animado, aventureiro. Brincava comigo de chapeuzinho vermelho: eu era o lobo e ele era a chapeuzinho. Sabe esse tipo de pensamento, totalmente ao contrário? O avô ao contrário? Me marcou completamente.

PAI

A memória mais forte é de quando ele se mudou para o Brasil [em 1980]. Ele tinha gravado aquele disco para a Warner, "Amoroso". E duas músicas entraram na novela "Água Viva". Lembra, com a Glorinha Pires? Eu, noveleira, sempre. Então foi o maior orgulho: "Uau, o seu pai tá na trilha sonora da novela!".

Em 1980, ele fez aquele musical para a TV. Eu cantei "Chega de Saudade", supernervosa. Mas ali gerou uma liga entre a gente pra sempre, que nunca mais terminou.

Quando voltava de madrugada, eu ia para a casa dele porque sabia que tava acordado. Em vez de chegar tarde e levar bronca na minha mãe, ficava com meu pai, vendo ele tocar violão. Falamos todo dia. Ele tá ótimo, tá tudo certo. Esse é o lema. Vamos ser felizes. Vamos ser felizes.


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