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Marcelo Coelho

Mulheres

A força pessoal e o empenho pela alegria vão superando a ideia da 'viúva inconsolável'

A viúva de Eduardo Campos, Renata, recebeu condolências do senador petista Lindbergh Farias, candidato ao governo do Rio de Janeiro. Diz a Folha que ela vestia uma blusa com estampa floral --e que respondeu a Lindbergh sem chorar.

"Esse negócio de tristeza, aqui, não combina", afirmou. "Aqui é força, alegria e coragem." Tem sido esta, segundo se informa, a atitude de Renata Campos ao longo destes dias.

Na Flip deste ano, assisti a uma mesa sobre os 50 anos do golpe militar, da qual participava Marcelo Rubens Paiva. Ele começou lendo um artigo de Antônio Callado sobre sua mãe, Eunice.

O autor de "Quarup" lembrava ter encontrado Eunice em Búzios, nadando de biquíni, bronzeada e magra. O marido dela, Rubens Paiva, estava preso. O ano era 1971.

Eunice estava animada, depois de ter passado ela própria um tempo na prisão. Recebera informações de que Rubens Paiva estava bem e seria libertado nos dias seguintes. Não era verdade. Àquela altura, seu marido já estava morto, não tendo resistido às sessões de tortura no DOI-Codi.

Marcelo Rubens Paiva leu o artigo de Callado com muita dificuldade, parando para chorar; solidária, a plateia o aplaudia longamente. Ele pediu desculpas, mencionando o fato de estar agora com um filho de poucos meses --o que mudava a sua perspectiva diante da tragédia.

Pediu desculpas, também, porque sua mãe fizera recomendações enfáticas a toda a família. Ela e os filhos nunca seriam fotografados com lágrimas nos olhos.

Sorrir sempre e demonstrar força pessoal seriam a melhor resposta, dizia Eunice, aos assassinos de Rubens Paiva. "Nossa família não será fraca, e não será vencida."

Marcelo deu um sorriso de autoironia, como a dizer "e olhem para mim agora, chorando...", mas continuou sua participação no debate, com a notável informalidade que o caracteriza.

Não apenas Rubens Paiva estava longe de ser um "comunista", como a direita gostava e ainda gosta de dizer, mas sua mãe não passava de uma "dondoca". Jogava vôlei na praia com a Marieta Severo, conta o filho. Depois do assassinato, Eunice pôs-se a pedir informações, a procurar o corpo do marido. Envolveu-se com a causa indígena e, naturalmente, com a luta pela redemocratização.

Marcelo tirou desse relato a conclusão surpreendente. "Não foi meu pai quem lutou contra a ditadura", disse ele.

Pelo menos a seus próprios olhos, os de um menino que estava com onze anos na época do desaparecimento do pai, quem lutara de fato tinha sido a sua mãe.

O que impressiona, no caso de Eunice ou de Renata, viúva de Eduardo Campos, é essa disposição para falar de alegria --ou, ao menos, para não chorar.

Talvez se tenha tornado mais comum entre as mulheres uma atitude que, em tempos antigos, correspondia apenas a outro sexo.

Refiro-me à ideia de "homem não chora". Ao contrário, hoje cai bem certa sentimentalidade no sexo masculino. Cai melhor ainda, entretanto, a capacidade de uma mulher para o enfrentamento e a resistência.

O clichê da "viúva inconsolável" vai sendo esquecido. Que o diga, aliás, a própria Marina Silva. Tomou para si o legado e as lutas de Chico Mendes, líder ambientalista assassinado em 1988; agora, sem ser exatamente uma "viúva" política de Eduardo Campos, vem a substituí-lo com a própria força renovada pelo imprevisto histórico.

Cabe falar ainda de outra mulher, a própria Dilma Rousseff. Goste-se ou não de seu governo e de sua pessoa, uma circunstância merece ser colocada, no meu modo de ver, acima de qualquer outra.

Refiro-me ao fato, que por diversos motivos não se explora nem se menciona suficientemente no confronto político, de ela ter sido torturada durante o regime militar. Sempre penso que, se isso tivesse acontecido comigo, eu seria incapaz de superar a experiência.

Eis que vemos Dilma priorizar, contudo, sua estratégia política, e os projetos de seu partido, sem tomar em termos pessoais o entusiasmo com que muitos de seus aliados (especialmente o ministro Edison Lobão) defenderam o que havia de pior na ditadura.

Força pessoal das mulheres, sem dúvida; força da política, também. Não conhecemos melhor forma de superar uma perda do que pensar no futuro, tentando submetê-lo ao nosso poder. Candidatos, por definição, dedicam-se a coisas desse tipo.


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